Saturday, January 14, 2012

Acondroplasia: seguindo o FGFR3 no condrócito


Vamos começar a ver como as coisas funcionam na acondroplasia, revendo a forma como o receptor de fator de crescimento de fibroblasto do tipo 3 (FGFR3) é criado, como ele exerce a sua ação e qual é seu destino final. 
O texto pode não parecer exatamente como uma receita de cookies. No entanto, falar um pouco sobre esses temas vai ajudar o leitor a entender por que algumas abordagens potenciais para tratar a acondroplasia são atraentes e valem a pena ser exploradas enquanto outras não.
Antes de mergulhar nas partes mais técnicas, será útil explicar alguns termos e expressões que estarão sendo aplicados aqui:
  • Aminoácidos: são moléculas essenciais para a vida e quando combinados em sequências pré-determinadas - imagine uma sequência pré-definida de cores - constituem as proteínas.
  • Matriz celular ou interstício: o meio no interior da placa de crescimento onde os condrócitos estão localizados.
  •  Membrana celular: esta é a cobertura externa da célula, mantendo o conteúdo da célula seguro e funcionando como um portão.
  •  Citoplasma: este é o meio no interior da célula, onde as organelas celulares e moléculas se encontram e exercem suas funções.
  •  Domínios: as diferentes partes de uma proteína. Esta expressão pode ser utilizada para designar uma parte específica de uma proteína que apresente uma função distinta.
  •  Nucleotídeos: são as moléculas que constituem o código genético. Há quatro nucleotídeos e a combinação deles produz todas as informações necessárias para criar e manter a vida. 
  •  Proteínas: as proteínas são grandes moléculas feitas de sequências pré-determinadas de aminoácidos. Quando causam reações químicas, eles também são chamados de enzimas.
A família FGFR

O FGFR3 pertence a uma família de quatro proteínas similares (numeradas de 1 a 4). Estas quatro proteínas (ou enzimas) são chamadas de receptores porque elas atravessam a membrana celular, o que faz uma de suas extremidades estar fora da célula (domínio extracelular), em contato com o ambiente local (muitas vezes chamado de matriz celular ou interstício) e a outra, dentro da célula, exposta no citoplasma (domínio intracelular ou da tirosinoquinase).

A função do FGFR3 é trabalhar como canal de comunicação entre a matriz (ou, numa visão mais ampla, o corpo) e a célula. Como é este trabalho de comunicação? Ele ocorre através de contatos químicos entre moléculas localmente circulantes ou ativadores e esses receptores. As mensagens são transmitidas em uma linguagem química. Há muitas outras classes de receptores com funções distintas também posicionados na membrana celular. Estes canais de comunicação permitem que as células respondam facilmente às mudanças locais no ambiente externo, a matriz. Apesar de terem funções distintas, em muitos deles o caminho utilizado para exercer suas ações é semelhante. Devemos guardar estas informações para mais tarde, porque elas  têm consequências.

Os quatro FGFRs compartilham uma estrutura básica comum e respondem aos mesmos ativadores (ou, no jargão, ligantes) chamados de fatores de crescimento de fibroblasto (FGF). Em comparação com muitas outras proteínas receptoras, a estrutura dos FGFRs é bastante simples. A parte extracelular (ou domínio) é composto de três loops de aminoácidos que se assemelham à estrutura das imunoglobulinas (conhecemos essas estruturas por seu nome popular: anticorpos). Há um domínio transmembrana (naturalmente, a parte da proteína que atravessa a membrana celular). E, finalmente, o domínio intracelular, onde encontra-se a parte da proteína que, quando o receptor está ligado, irá desencadear a série de reações intracelulares, comumente chamada de vias de sinalização ou cascatas de sinalização . Você pode ver uma figura esquemática dos FGFRs no site do Dr. Moosa Mohammadi: http://www.med.nyu.edu/mohammadi/LabPage/fgfr.html

Agora, vamos nos concentrar no FGFR3 e os condrócitos.

Estaremos falando sobre o ciclo do FGFR3, da sua produção ao seu destino, com ênfase na sua síntese (produção) e ativação:

• Síntese
• Transporte
• Ativação
• Degradação

Síntese do FGFR3

Como qualquer outra proteína, o FGFR3 é produzido quando seu gene específico é lido e as instruções que ele detém na forma de uma cadeia de quatro moléculas chamadas nucleotídeos são traduzidas para uma cadeia de aminoácidos. Em um modelo muito simplificado, cada sequência de três nucleotídeos na cadeia de DNA do gene vai dar origem a um aminoácido específico. Você pode ler mais sobre isso em: http://en.wikipedia.org/wiki/Genetic_code.

Simplificando novamente, vamos ver a sequência de produção do FGFR3: a parte do DNA onde está o gene FGFR3 é aberta como um zíper. Então, as proteínas “alfaiates”, que têm a capacidade de se ligar diretamente ao DNA , iniciam  a leitura da sequência de nucleotídeos, e constroem uma cópia desses com nucleotídeos livres disponíveis nas imediações. Essa cópia do DNA é chamada de RNA mensageiro, ou mRNA, e o processo pelo qual o gene é lido é chamado transcrição

O mRNA deixa o núcleo para o ribossomo, um pequeno organela celular. Lá, o código do mRNA será lido novamente e traduzido em aminoácidos, que serão montados em uma cadeia, criando a proteína.

Em resumo, o gene FGFR3 é lido e copiado através de um processo chamado transcrição e a cópia de RNA é lida e traduzida em uma cadeia de aminoácidos, a proteína. Você pode aprender mais sobre a transcrição do gene e expressão da proteína assistindo esta interessante animação


Todo o processo, descrito basicamente aqui, é estreitamente regulado. Existem muitas proteínas e pequenos fragmentos de outros tipos de moléculas de RNA envolvidos na leitura do gene e na finalização da proteína, funcionando como controle de qualidade ou checkpoints. Eles identificam erros de leitura e os corrigem ou enviam o produto defeituoso para degradação. Alguns destes pequenos RNAs também podem tanto iniciar a leitura de genes ou pará-la, tendo assim um papel regulador (guarde estas informações para mais tarde).

 O sistema não é desprovido de erros e muitas doenças e condições são resultado de falhas no controle de qualidade ou quando o defeito não é identificado como tal, permitindo que as proteínas alteradas possam se tornar ativas. Este é o caso da mutação do FGFR3 na acondroplasia.

Arranjo final e transporte do FGFR3

Após a montagem da sequência de aminoácidos em uma nova proteína, uma outra reação química é iniciada. Um grupo de proteínas chamadas chaperonas faz o arranjo final na nova proteína, colocando-o na forma certa, pronta para ser posicionada através da membrana celular, que é um outro passo mediado por um mecanismo de transporte intracelular. No caso do FGFR3, a chaperona comumente envolvida é a chamada de HSP-90. Se as chaperonas não finalizam a proteína, o novo produto geralmente é direcionado à degradação, também. Apesar de carregar um erro de composição, o FGFR3 mutante mantém sua funcionalidade e é normalmente liberado para o transporte até a membrana celular. O sistema de transporte é um caminho comum para muitas outras proteínas.

Ativação do FGFR3

O FGFR3 é ativado (ligado, como um interruptor elétrico) quando um FGF acopla ao domínio extracelular do receptor. Em uma reação em que outros componentes da matriz também participam, a ligação do FGF vai atrair outra molécula de FGFR3, que será posicionado com o primeiro em uma estrutura chamada dímero

O dímero sofre mudanças conformacionais, poderíamos dizer curvaturas, que irão expor locais específicos, como plugs elétricos, no domínio intracelular.

Quando estes plugues, chamado literalmente de bolsos de Adenosina Trifosfato (ATP pockets), estão expostos atraem ATPs portadores de fosfato e a cascata começa: a via de sinalização a jusante é ativada através deste processo chamado de fosforilação. Várias proteínas são atraídas para a cauda ativada do FGFR3, uma sendo ativada pela anterior e ativando a próxima: a cascata de sinalização. Dê uma olhada neste artigo do Dr. William Horton, onde há uma figura que mostra a cascata: http://www.gghjournal.com/volume22/4/featureArticle.cfm

Existem duas principais cascatas diferentes ligadas à ativação do FGFR3: a chamada via RAS-RAF-MAPK e a via STAT1. Vamos aqui o passo-a-passo, sem pressa.

As proteínas RAS e RAF são extremamente importantes para muitos processos biológicos. Eles são um tipo de distribuidores de sinal celulares e encontram-se nos primeiros passos das cascatas de sinalização de muitas enzimas receptoras. No caso do FGFR3, a primeira cascata importante que irá desencadear é a encabeçada pelas enzimas proteína quinase ativada por mitógeno (MAPK).

Uma vez ativada, a RAF vai "chamar" as enzimas MAPK conhecidas como MEKs (1-6). Quais serão ativadas dependerá da origem do sinal. Para o FGFR3, os mais importantes são MEK1, MEK2, MEK3 e MEK6. MEK1 MEK2 acionam um par de enzimas chamadas de quinases reguladas por sinal extracelular (ERK1 e ERK2), enquanto MEK3 e MEK6 irão ativar uma enzima chamada p38. As ERKs e a p38 são as enzimas responsáveis por entregar a mensagem que vem de fora, da matriz, para o núcleo da célula, onde as respostas ao sinal externo serão geradas, através da expressão de alguns genes e / ou repressão (inibição) de outros.

A STAT1 (transdutor de sinal e ativador de transcrição 1) é um agente celular que trabalha diretamente no núcleo em resposta a estímulos extracelulares. Quando ativado, ele vai dizer o núcleo da célula para reduzir ou parar as ações necessárias para que a célula se multiplique. Em outras palavras, ele irá reduzir a taxa de proliferação celular.

ERKs e p38, em resposta ao sinal iniciado pelo FGFR3, irão estimular o núcleo para reduzir o ritmo em que a célula está amadurecendo (progredindo para o estado hipertrófico).

Então, aqui estão as principais consequências de ser ter um FGFR3 superativo na acondroplasia:

• Reduz a velocidade de multiplicação da célula e
• Retarda o ritmo de maturação da célula (diferenciação, hipertrofia).

Degradação do FGFR3

A última fase pela qual o FGFR3 passa é a desativação ou degradação. Você pode ter uma excelente descrição do processo lendo o Blog Dr. Horton Lab no site da Growing Stronger: seu grupo está trabalhando exatamente com as etapas envolvidas no metabolismo (clivagem) do FGFR3. Este é um campo ainda com muitas questões a serem respondidas, mas pode trazer uma das possíveis soluções terapêuticas para a acondroplasia.

Fizemos esta complexa viagem através do condrócito para entender os mecanismos envolvidos na produção de FGFR3. Também fizemos uma breve revisão das principais reações que o FGFR3 causa nos condrócitos. Agora, estamos prontos para explorar as potenciais abordagens para neutralizar o FGFR3 defeituoso.

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