Como já vimos (artigos
anteriores), as principais alterações que prejudicam o crescimento ósseo na acondroplasia são
causadas pelo excesso de
atividade do receptor
do fator de crescimento de fibroblasto do tipo 3 (FGFR3) devido a uma mutação (troca) simples nessa proteína.
Como podemos gerenciar
este receptor workaholic?
Como podemos reduzir ou abolir atividade do FGFR3 ou contrabalançar os seus
efeitos nos condrócitos,
as células que, em última instância, são responsáveis pela criação da base onde
os ossos são construídos? Se eles não se multiplicam (proliferação) e
crescem (hipertrofia), haverá menos base para o osso a crescer.
Vimos como o FGFR3
funciona, como ele é produzido e como ele é conduzido para a desativação. Vamos
começar agora a ver as muitas possibilidades para lidar com ele, começando por
examinar diretamente como bloquear ou inibir a atividade do FGFR3.
Quando alguém pensa sobre
o tratamento da acondroplasia o primeiro pensamento natural é: “temos
que acabar com este receptor. Ele
tem de parar de exercer suas ações.”
Mirando
o FGFR3 de fora da célula
Estes foram muito
provavelmente os primeiros pensamentos dos pesquisadores desde que
o defeito básico da acondroplasia foi identificado. No
entanto, desde o início, a tarefa também se mostrou
bastante complexa. Você deve se lembrar que mencionamos que a placa de crescimento é um
ambiente muito bem protegido. Não há vasos sanguíneos em
seu interior, logo não há fluxo de sangue direto para levar
oxigênio e nutrientes aos condrócitos. O meio ambiente local, ao qual
chamamos matriz da cartilagem, é um terreno denso
e tudo que é direcionado aos condrócitos deve passar
por este território. Um
estudo publicado em 2006 por Farnum
et al. mostrou que moléculas de baixo peso molecular podem trafegar na
placa de crescimento e que as moléculas maiores do que 40kDa provavelmente
sofrem maior resistência para difundir neste ambiente (kDa significa
kilodalton, onde dalton é uma unidade de medida de peso molecular).
Anticorpos
Aprender sobre
o tráfego de placa de crescimento pode ajudar a
explicar muita coisa sobre as primeiras interessantes
experiências feitas com anticorpos específicos contra o
FGFR3. Proteínas têm a propriedade de provocar reações do
sistema imunológico. Quando uma proteína não-self (uma proteína que não
pertence ao corpo) é exposta ao sistema imunológico, a defesa do
corpo geralmente produz anticorpos específicos para ligar
e bloquear o “'invasor”. Esta propriedade das proteínas é
largamente utilizada na criação de anticorpos terapêuticos para
o tratamento de muitas doenças. Também devemos ter em mente
que os anticorpos são como as proteínas, eles também podem
provocar respostas imunes contra eles.
Por exemplo, anticorpos
contra enzimas receptoras como o FGFR3 estão sendo usados para
tratar alguns tipos de
câncer. Um bom exemplo é o trastuzumabe, um
anticorpo que foi desenhado para bloquear a atividade de uma enzima receptora chamada de receptor do fator de
crescimento epidérmico (ou
EGFR) para tratar o câncer de mama. O EGFR é, como o FGFR3,
posicionado através da membrana celular, com uma porção
extracelular (ou domínio) em contato com o meio ambiente. O
anticorpo deixa a circulação e se liga ao receptor, bloqueando seu
local de encaixe à molécula ativadora (EGF). Assim, um
anticorpo trabalha fora da célula. A principal
diferença aqui é que o tecido mamário é bem coberto por uma
rede de vasos sanguíneos. A cartilagem não é. Você pode ver
a forma como funciona o trastuzumabe assistindo a esta curta animação (sem
áudio).
Em 2003, um grupo
israelense publicou os resultados
de testes feitos com um anticorpo específico contra o
FGFR3, chamado PRO-001 (Aviezer et al.). Os
testes foram realizados em ossos de ratos e os resultados foram
promissores. No entanto, desde então, não houve novas publicações e a
razão (não temos certeza) poderia ser que um anticorpo
convencional normalmente pesa 150 kDa ou mais, por isso não
pode trafegar livremente através da matriz da cartilagem, sendo
provavelmente eliminado do sangue antes de pode atingir seu
alvo em uma concentração terapêutica. É provavelmente o tamanho
das moléculas dos anticorpos que impede o seu
uso terapêutico na acondroplasia Você pode encontrar
mais informações técnicas sobre o uso de anticorpos para
bloquear o FGFR3 lendo o editorial do Dr Joseph Schlessinger,
onde ele comenta as conclusões de um estudo com outro
anticorpo anti-FGFR3 chamado R3Mab aqui.
Então,
aqui vai uma primeira recomendação a quem pesquisa uma
abordagem terapêutica para a acondroplasia: a molécula deve
ser pequena, provavelmente com peso inferior a 50kDa.
Mantendo a visão de
fora da célula, existe alguma outra forma pela qual
poderíamos bloquear o encaixe de ativadores (ou ligantes,
os FGFs) do FGFR3 para que o receptor seja mantido desligado?
A resposta é sim.
Durante as últimas
décadas, pesquisadores têm aprendido muito sobre a interação das
proteínas com os ácidos nucléicos (DNA, RNA), que vamos chamar
de nucleotídeos a
partir de agora. Existem várias proteínas capazes de se ligar diretamente
ao DNA (por exemplo, as proteínas “alfaiates” que eu
mencionei em um artigo anterior) e RNA. Bem, por que
não fazer o inverso, através da síntese de moléculas de
nucleotídeos que podem se ligar diretamente a proteínas? Isso já
foi feito, e as moléculas feitas de nucleotídeos
(citamos como oligonucleotídeos) com essa finalidade são
chamadas de aptâmeros.
Aptâmeros
Aptâmeros são muito
específicos para os seus alvoss em um grau
semelhante aos anticorpos convencionais. Além
da especificidade semelhante, aptâmeros têm uma série
de vantagens em relação aos anticorpos. Primeiro, eles são muito
menos imunogênicos do que os anticorpos (o que
significa que eles não causam o mesmo nível de reações de
defesa imunológica que os anticorpos terapêuticos). A segunda
característica importante e positiva é que aptâmeros costumam
pesar de 15 a 45kDa.
Há pelo menos um aptâmero terapêutico já no mercado (pegaptanib), projetado para tratar uma condição oftalmológica, e há outros em ensaios clínicos para várias indicações. Até o momento, não há nenhuma pesquisa publicada de aptâmeros contra FGFR3. Uma consulta simples no Pubmed não identificou qualquer trabalho (palavrras-chave: aptamer, FGFR3, 29 de dezembro de 2011). Aptâmeros representam uma tecnologia nova e há muitas perguntas a serem respondidas em relação à sua utilidade no tratamento de muitas doenças. Por exemplo, a cartilagem não é o tecido preferencial para depósito de aptâmeros. Não sabemos se um aptâmero específico contra o FGFR3 atingiria o alvo. Há apenas uma maneira de saber, que é testar a hipótese.
Concluindo, aptâmeros são
uma abordagem em potencial a ser explorada para acondroplasia
por várias razões:
• Trabalham fora da célula
• São pequenos
• São muito específicos
• Não são imunogênicos
• Têm um bom perfil de segurança
Em resumo, analisamos alguns dos desafios para o
tratamento de acondroplasia. O primeiro é fazer a droga chegar
ao alvo. Também discutimos brevemente duas opções para
bloquear o FGFR3 de fora da célula. Uma já está
disponível, que são os anticorpos específicos contra o
receptor. O segundo é um potencial ainda a ser explorado,
os aptâmeros.
No próximo artigo,
vamos continuar a nossa análise sobre as terapias em potencial
para acondroplasia visando o bloqueio direto ou a
inibição do FGFR3, desta vez à procura de abordagens de
dentro da célula.
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