Monday, February 20, 2012

O mundo do RNA: desligando o FGFR3 na acondroplasia, parte 2


No último artigo, começamos a rever um complexo controle do funcionamento celular que alguns fragmentos distintos de RNAs exercem. Esses chamados RNAs não-codificantes (ncRNAs) podem regular quanto será criado de uma determinada proteína ao interferir na sua produção, um fenômeno chamado interferência de RNA (RNA interference, RNAi). Os cientistas também chamam essa habilidade de silenciamento de gene (gene silencing), porque impede um gene ativo de dar origem à proteína que ele codifica. Existem várias classes destes RNAs reguladores capazes de interferir na produção de proteínas, tais como os micro RNAs (miRNA) e os pequenos RNAs de interferência (small interfering RNA, siRNA), que descrevemos muito brevemente, que quando acoplados a um complexo de proteínas chamado RISC, ligam-se a um RNA mensageiro (mRNA) e provocam a sua degradação.

RNAs feitos pelo homem

Assim que os pesquisadores começaram a aprender que a máquina genética era muito mais complicada do que os primeiros modelos desenhados lá atrás nas décadas de cinquenta ou sessenta, quando o DNA foi descoberto, eles perceberam que nós poderíamos criar nossas próprias moléculas feitas de código genético, tanto de DNA quanto de RNA.

Recentemente, após a descoberta dos ncRNAs, a introdução das primeiras moléculas artificiais de RNA em células em laboratório e a percepção de que isto poderia ser uma ferramenta útil para entender como funcionam os genes ocorreu de forma ainda mias rápida. O passo seguinte foi uma conclusão natural: se podemos interferir na produção das proteínas (ou no funcionamento dos genes) nestas culturas de células, podemos fazer o mesmo em um tecido vivo? A resposta é novamente sim. Mais do que isto, algumas destas moléculas já estão registradas como medicamentos ou em ensaios clínicos.

Os oligonucleotídeos

Moléculas de RNA artificiais são feitas de blocos de nucleotídeos e a combinação de nucleotídeos em sequências específicas pode ser facilmente executada no laboratório. Em teoria, se alguém quiser bloquear um determinado mRNA, digamos que o mRNA que codifica a proteína receptor do fator de crescimento fibroblasto 3 (FGFR3), é apenas o trabalho de produzir a sequência correta de nucleotídeos que correspondem, ou complementam, a sequência presente no mRNA do FGFR3.

Mas como poderia esta combinação parar a produção da proteína?

Vamos dar uma olhada em uma regra que toda a maquinaria genética segue: A leitura do gene é feita na direção 5' (dizemos cinco (five) prime) para 3' (três (three) prime). Estes números referem-se às posições dos átomos de carbono no anel de açúcar (uma ribose), que faz parte do nucleotídeo. Veja mais sobre isso aqui.

Toda a máquina de transcrição genética e a tradução (ou translação) das proteínas segue esta regra. Nós já vimos um pouco sobre isso no último artigo. No DNA (isto é válido para o RNA, também), temos duas fitas combinadas em uma dupla hélice. Um dos filamentos, que nós chamamos de senso, começa em 5' e termina em 3'. A outra fita, complementar, irá combinar com a cadeia de senso no sentido oposto, a partir de 3' para 5' (sendo chamada de fita antisenso). O que isso tem a ver com RNAi? O efeito dos ncRNAs ocorre pela ligação a uma região próxima à extremidade 3' da sequência do mRNA, o que leva ao bloqueio da leitura do mRNA pelo ribossomo. Convido você a assistir novamente a animação sobre interferência de RNA patrocinada pela revista Nature. Desta vez, preste atenção à posição onde o miRNA se ligará o RNA mensageiro. Há mais de um tipo de interferência de RNA e esta animação mostra os dois tipos principais: a primeira que aparece conduz diretamente à degradação do RNA; a segunda mostra a interferência acontecendo após a ligação ao ribossomo.

Quando os investigadores constroem uma molécula de nucleotídeos olham para a mesma região do alvo natural dos ncRNAs, que está localizada no final da sequência de mRNA sendo, por isso, chamados de oligonucleotídeos antisenso. Oligo é uma raiz para poucos, e dessa forma essa a palavra significa literalmente poucos nucleotídeos. Precisamos de apenas de uma curta sequência de nucleotídeos para fazer a tradução de proteínas parar. No entanto, a investigação sobre a interferência de RNA tem sido muito criativa e não está limitada a este mecanismo natural de ação. De fato, existem algumas terapias antisenso já em estudos clínicos onde o oligonucleotídeo se liga a uma seção particular do mRNA para produzir o efeito desejado. Por exemplo, há um oligonucleotídeo antisenso sendo desenvolvido para o tratamento da distrofia muscular de Duchenne, um tipo muito grave de malformação genética dos músculos, causada por um defeito em uma proteína muito importante chamada distrofina (texto com acesso livre). A molécula funciona ligando-se a uma parte específica do mRNA imaturo da distrofina causando uma mudança na forma como ele é preparado para a tradução, uma estratégia chamada salto de éxon (exon skipping).

Aptâmeros

Se você está acompanhando essa série de artigos, provavelmente vai lembrar dos aptâmeros
. Aptâmeros são moléculas muito adaptáveis ​​feitas de nucleotídeos. Mostramos que um aptâmero específico pode ser usado para se ligar ao domínio extracelular de FGFR3 e bloquear a ativação da sinalização do receptor. Bem, a capacidade destes oligonucleotídeos não está limitada a ligação às proteínas. Certamente, eles podem se ligar também a outras sequências de nucleotídeos, o que inclui, potencialmente, o mRNA do FGFR3, através da estratégia de antisenso. Estas duas aplicações potenciais dos aptâmeros na acondroplasia ainda estão esperando por um investigador interessado.

Finalmente, se fazer oligonucleotídeos é tão fácil, então o que estamos esperando? Vamos apenas produzir um oligonucleotídeo para se ligar ao mRNA do FGFR3 e tudo acontece: sem FGFR3, nenhum freio ao crescimento ósseo. Nós já temos exemplos de que isso pode ser feito, veja aqui.

O grande desafio

Existem várias potenciais abordagens para tratar um grande número de condições, incluindo a acondroplasia. O que está nos impedindo de usar um oligonucleotídeo antisenso para parar a produção de uma única proteína, o FGFR3, em um corpo vivo? O principal problema não é o de criar a molécula, mas de fazê-la chegar à célula alvo, o condrócito. Vamos rever o desafio da administração do medicamento no próximo artigo.

Você pode aprender mais sobre interferência de RNA lendo os artigos que mencionei no final do último artigo.

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