No último artigo, fizemos uma breve revisão sobre a maratona
que uma medicação deve enfrentar antes de chegar aos pacientes. Falamos sobre
muitas questões que os cientistas devem responder ao projetar um novo potencial
medicamento para tratar uma doença.
Também falamos sobre a fase de desenvolvimento clínico, que é a parte da pesquisa em que a droga é dada a seres humanos para observar os seus efeitos. Agora, vamos voltar à fase em que a nova droga potencial ainda está no laboratório e ver como os pesquisadores encontram o caminho mais adequado para fazê-la chegar à célula- ou tecido-alvo. Esta é uma área da farmacologia em rápido desenvolvimento, que é comumente descrita como drug delivery (expressão difícil de traduzir, mas que pode ser entendida como transporte ou entrega da medicação ao alvo).
Também falamos sobre a fase de desenvolvimento clínico, que é a parte da pesquisa em que a droga é dada a seres humanos para observar os seus efeitos. Agora, vamos voltar à fase em que a nova droga potencial ainda está no laboratório e ver como os pesquisadores encontram o caminho mais adequado para fazê-la chegar à célula- ou tecido-alvo. Esta é uma área da farmacologia em rápido desenvolvimento, que é comumente descrita como drug delivery (expressão difícil de traduzir, mas que pode ser entendida como transporte ou entrega da medicação ao alvo).
O objetivo deste artigo é dar uma visão panorâmica de
algumas das muitas estratégias em desenvolvimento para permitir o transporte da
próxima geração de drogas, especialmente as que são feitas de ácidos nucleicos ou
projetada para alterar um ou mais aspectos da transcrição
de genes (as reações químicas que copiam o código de DNA em RNA, do inglês transcription) e da tradução ou translação
(as reações químicas que traduzem o código RNA em uma nova proteína, do inglês translation). O foco é sobre como esses
sistemas de transporte podem ser aplicados para ajudar medicamentos a encontrar
o caminho para os condrócitos na placa
de crescimento cartilaginosa, uma região que sabemos que não é exatamente o
lugar mais fácil de alcançar. Existem várias terapias potenciais à espera de
serem exploradas para o tratamento da acondroplasia. Identificar os meios mais
adequados para fazê-las chegar à placa de crescimento pode ajudar os
desenvolvedores de drogas a acelerar a
pesquisa.
Criando um novo medicamento
Graças aos avanços da tecnologia da informação, tem sido
cada vez mais fácil (se nós realmente pudéssemos dizer isso) estudar as complexas
estruturas moleculares formadas por cada uma das milhares de proteínas que o
corpo produz. Por que devemos estudá-las? As proteínas são as moléculas que
regem todos os aspectos das reações biológicas, ou em outras palavras, elas são
as responsáveis finais por ser o que somos. Nós já falamos sobre isso em
outro artigo. Como elas participam de quase todas as reações químicas dentro do
corpo, aprender como elas são montadas e onde, em suas estruturas uma
determinada reação está ocorrendo, permite aos pesquisadores desenvolver
compostos que podem interagir com os locais onde ocorrem essas reações ou
impedir que elas ocorram. Se você estiver seguindo os artigos desta série pode
ser tenha a sensação de que muito está sendo repetido aqui. Mas, veja, há
sempre um detalhe a mais incluído ...
Para simplificar e tornar mais fácil entender o mundo
químico, normalmente ilustramos as proteínas como estruturas 1D e 2D, como se
fossem simples cadeias retas de átomos dispostos um após o outro. Bem, a vida
real não é tão simples e a molécula do receptor de fator de crescimento de fibroblasto tipo 3 (FGFR3),
a proteína que, quando alterada por uma mutação no gene FGFR3, causa acondroplasia, vai girar, achatar, enrolar, truncar e
fazer muitos outros movimentos e acomodações para alcançar uma estrutura 3D
final e tornar-se pronta para fazer o que o FGFR3 é projetado para fazer. Com a
ajuda de computadores, os cientistas podem criar modelos 3D do FGFR3 para
estudar como ele faz o que faz e onde podemos interferir para bloqueá-lo. O
estudo das estruturas de moléculas é chamado de cristalografia.
Transporte de
drogas para o lugar certo
Como sabemos que uma determinada droga dada por via oral
atingirá o seu alvo dentro do corpo? Para saber como se comportará uma droga no
corpo e como o corpo vai lidar com a droga, os pesquisadores realizam estudos
de farmacocinética
e farmacodinâmica.
Enquanto a primeira trata do caminho seguido pela droga a partir do momento em
que é administrada, a outra estuda como o corpo lida com ela.
Teoricamente, a maioria das drogas que entram no sangue será
capaz de alcançar qualquer de tecido e órgão que recebem fluxo sanguíneo
direto. Assim, para muitos medicamentos clássicos, antigos, não há grande
preocupação sobre transporte e alcance da droga, mesmo para locais sem
vasculatura. O mesmo é verdade para algumas classes das novas drogas
utilizadas no câncer, não há nenhuma preocupação relevante sobre elas atingirem
a maioria dos tumores. Menciono isto porque a acondroplasia tem se beneficiado
da pesquisa do câncer. A indústria farmacêutica está dedicando um grande
esforço para criar drogas para bloquear as proteínas que se considera estarem
ligadas ao crescimento e progressão do câncer, em uma escala tal, que a pesquisa
sobre o câncer é atualmente a maior entre todas as áreas terapêuticas (Berggren et
al., 2012).
O FGFR3 é uma destas proteínas, de modo que uma droga
destinada a combater um câncer dependente das ações do FGFR3 pode ser usada (teoricamente) para tratar a
acondroplasia. Dê uma olhada nesta tabela
fornecida no artigo anterior. Você vai encontrar uma série de compostos com
ação contra o FGFR3 e pertencentes a essas novas classes de drogas. Alguns dos
artigos publicados sobre eles mostram que elas realmente chegam à placa de
crescimento e aos condrócitos (ex.: Brown A et al, 2005).
No entanto, para a nova geração de fármacos a ser desenvolvidos
para agir na maquinaria de produção das proteínas, é improvável que os padrões clássicos
de absorção dos fármacos mais antigos possam ser aplicados. Compostos feitos de
aminoácidos, como o CNP,
ou feitos de oligonucleotídeos,
tais como os aptâmeros ou siRNAs, não serão capazes de
alcançar desprotegidos os seus alvos. Isso acontece por causa de sua natureza
eletroquímica.
Disfarçando drogas
A Hepatite
C é um importante problema de saúde em todo o mundo, pois se estima que milhões
de pessoas estejam infectadas pelo vírus causador. A terapia padrão atual para
a hepatite C inclui uma droga chamada ribavirina e uma proteína chamada interferon (INF). Graças ao
INF, a história da hepatite C mudou e muitos pacientes ficam curados com o
tratamento correto. O INF é uma proteína muito importante que ocorre
naturalmente no corpo e um ativo participante fundamental do sistema imunológico.
É chamado de citocina, um
mensageiro entre as células que desencadeia respostas celulares contra um
agente invasor, como um vírus.
O INF é tão poderoso que o corpo faz com que ele tenha uma
vida curta, produzindo enzimas para degradá-lo e, depois de algumas horas circulando no sangue o INF é inativado
por elas. Você pode adivinhar que a meia-vida curta do INF foi um desafio para alguém buscando usá-lo em
um tratamento. No início da sua utilização no tratamento da hepatite C, as
primeiras formas comerciais do INF tinham de ser administradas três vezes por
semana. O tratamento era difícil porque o INF deve ser dado por injeções e, com
essa freqüência, provoca uma série de efeitos indesejáveis (naturais) e,
conseqüentemente, muitos pacientes desistiam e não o terminavam (24 a 48
semanas de terapia), levando à falha terapêutica.
Máscaras, capas e
transportadores
Para superar esta limitação natural, os investigadores
desenvolveram um sistema que faz o INF durar até uma semana em circulação no
sangue, permitindo assim uma terapia onde é administrado apenas uma vez por
semana. A molécula desenvolvida para "proteger" o INF da degradação,
dando-lhe tempo para exercer suas ações, é chamada de polietileno glicol
ou PEG. Você pode imaginar o quão bem sucedidas têm sido as terapias para a
hepatite C hoje, em comparação com as mais antigas, embora o INF continue sendo
duro para os pacientes em tratamento devido aos seus efeitos naturais.
Moléculas como o PEG são umas daquelas que poderíamos chamar
de máscaras. Tendo a carga elétrica adequada elas reduzem a velocidade da taxa
de degradação da droga às quais estão ligadas, elas disfarçam a droga. Outros
sistemas de transporte, utilizando moléculas que podem facilitar a entrada do
fármaco para as células alvo, têm sido também desenvolvidos. Alguns deles são
baseados em compostos que imitam a composição da membrana celular, de modo que
eles são chamados sistemas lipídicos de transporte. É comum chamar um complexo
formado por uma droga e o seu transportador de nanopartícula
(literalmente significando peça muito pequena).
Pesquisadores são capazes de cobrir a droga inteiramente com
uma camada de lipídeos (como uma capa) e fazê-la atingir uma determinada célula. Quando o
complexo de fármaco e transportador (a nanopartícula) atinge a membrana da
célula, os lipídeos do transportador são incorporados à membrana e o fármaco
entra na célula para exercer os seus efeitos. Sistemas como estes são soluções
inteligentes para melhorar a absorção celular de drogas. Um dos problemas com
estes sistemas de transporte é que eles não são suficientemente específicos
para garantir que apenas a célula alvo receberá a droga. Para uma recente
atualização técnica abrangente sobre
nanopartículas lipídicas você pode ler o artigo de Battaglia e Gallarate
(2012).
Felizmente, a história não acaba aqui. Pensando em como
aumentar a especificidade do transporte, os pesquisadores começaram a anexar outros
compostos pequenos à nanopartícula. Por exemplo, sabendo quais tipos de
receptores da superfície celular são produzidos pela célula alvo, os
pesquisadores podem incorporar à nanopartícula um composto que pode ligar-se a um
desses receptores. Claro que o melhor é um receptor que seja produzido apenas pela
célula alvo, que é algo não facilmente encontrado. Digamos que encontrar um
receptor de membrana exclusivo faz a célula parecer ter um endereço concreto,
onde um carteiro poderia entregar uma carta.
Então, vamos ver se conseguimos encontrar um
"endereço" bastante específico dentro da cartilagem que poderíamos utilizar
para aumentar o fornecimento de uma droga contra o FGFR3. Na verdade, existem
poucos pesquisadores que trabalham em transporte de medicamentos para a
cartilagem e os artigos recentes no campo descrevem sistemas que visam apenas a
cartilagem articular, através da administração local. Isto não irá funcionar na
acondroplasia porque todos os ossos em uma criança estão em crescimento e terão
de receber a terapia ao mesmo tempo, de uma maneira estável. Assim, para a
acondroplasia, precisamos de uma terapia sistêmica (corpo inteiro).
No entanto, como disse antes, esses estudos também estão
procurando maneiras de garantir que os medicamentos que eles querem introduzir
na cartilagem articular serão devidamente absorvidos. Uma maneira de fazer isso
é exatamente a de encontrar um endereço dentro do tecido, para atingir os
condrócitos.
Sabendo que uma molécula chamada ácido hialurônico tem
grande afinidade com um marcador da membrana celular chamado CD44, que é
expresso (produzido) por condrócitos, um grupo de investigadores desenvolveu um
sistema em que o ácido hialurônico é ligado à “capa” das nanopartículas. Eles
foram capazes de provar que, usando essa estratégia, a absorção da droga dentro
da nanopartícula foi muito maior do que com um comparador sem ácido hialurônico
(Laroui et al., 2007).
Outro grupo (Rothenfluh et
al, 2008) descreveu um sistema em que eles envolvem a droga em uma capa de uma
molécula semelhante ao PEG e adicionam a esta capa uma molécula que tem
grande afinidade pela matriz cartilaginosa, o tecido que envolve os condrócitos
(revisto em um artigo anterior). Por causa do sistema utilizado, a matriz
retém a nanopartícula, gerando uma maior exposição da droga dentro da
cartilagem.
Estes são apenas dois exemplos. Existem muitos outros sistemas
de transportes em desenvolvimento. Vários deles podem ser úteis para a
administração de medicamentos com base em ácidos nucleicos (oligonucleotídeos,
aptâmeros) para aumentar a sua absorção pelos condrócitos. No entanto,
precisamos de mais pesquisas dirigidas à placa de crescimento, a fim de
encontrar soluções inteligentes para ultrapassar o desafio da cartilagem. Uma
ampla revisão de sistemas de transportes foi publicada em 2011, abrangendo
muitos aspectos deste campo (Villaverde
A, Ed., Nanoparticles in Translational Science and Medicine, 2011).
Mencionei antes que este artigo seria como uma visão
panorâmica do campo do transporte de medicamentos. O objetivo principal foi
mostrar que, mesmo para uma condição genética como a acondroplasia, onde o alvo
do tratamento é de difícil acesso, há soluções possíveis para chegar lá. Um
investigador trabalhando em estratégias terapêuticas para acondroplasia não
deve sentir-se limitado pela barreira da cartilagem.
No comments:
Post a Comment