No último
artigo, aprendemos que o hormônio da paratireóide (PTH, paratormônio) e a proteína
relacionada ao PTH (PTHrP) têm estruturas bastante parecidas (embora o PTHrP
seja maior) e atuam através do mesmo receptor, produzindo basicamente os mesmos
efeitos em suas células- e tecidos-alvo do corpo. Observamos também que,
enquanto o PTH é um hormônio circulante, o PTHrP funciona localmente, no local
onde é liberado. É interessante notar que ambas as proteínas, dadas
sistemicamente, causam efeitos semelhantes na saúde dos ossos e interferem com
o metabolismo do cálcio e do fósforo de forma semelhante (1).
Agora, vamos explorar um pouco mais as funções naturais do
PTH e também checar o uso atual médico do PTH em doenças ósseas. Mas, primeiro,
quero dizer que não vamos entrar em muitos detalhes aqui, quero somente dar ao
leitor uma idéia sobre a pesquisa feita com o PTH e o que podemos aprender com
ela, novamente para nos ajudar a entender se a terapia com PTH poderia ser uma
opção para a acondroplasia.
Antes de começar, vamos falar um pouco sobre os análogos do
PTH. Isso é relevante porque, se queremos decidir se o PTH poderia ser usado
para tratar a acondroplasia, teremos de escolher o melhor análogo candidato.
Atualmente, existem dois deles sendo comercializados,
para o tratamento da osteoporose. Um deles é uma cópia do hormônio natural, que
compreende os 84 aminoácidos originais (PTH 1-84). O outro é chamado teriparatide
(Forteo™ ou Forsteo™, Ely Lilly), um análogo formado pelos primeiros 34
aminoácidos da parte N-terminal do hormônio (lembra-se que revimos esses terminais
de proteína também no último
artigo?). O PTHrP também tem sido alvo de pesquisa e existe pelo menos um
análogo em desenvolvimento, também para a osteoporose (2). Os cientistas
descobriram que tanto o PTH e PTHrP têm nas suas respectivas cadeias vários
segmentos de aminoácidos, quase todos com funções distintas. Por exemplo, o
teriparatide foi concebido após a demonstração de que este segmento na parte
N-terminal da molécula tem uma função potente como anabólico no osso. Além
disso, as propriedades dos outros segmentos têm sido entendidas como a razão
pela qual existem algumas diferenças nos efeitos observados em estudos de PTH
1-84 e PTH 1-34 no metabolismo do cálcio e nas taxas de proliferação celular.
Como um exemplo, parece que a falta do C-terminal da PTH 1-34 seria responsável
pelo forte efeito pró-proliferativo deste composto em comparação com o PTH
completo (3). Guarde esta informação, pode ser importante em nosso contexto.
PTH controla o metabolismo do cálcio e do fósforo
O PTH é produzido pelas glândulas paratireóides.
A sua ação metabólica principal está relacionada com o controle dos níveis sistêmicos (quantidade no sangue)
de cálcio e fósforo. Ele exerce esse controle através da mobilização do cálcio
de seus depósitos naturais, os ossos ou pelo controle de sua excreção
(eliminação) pelos rins. Quando a quantidade de cálcio em circulação cai abaixo
de um ponto de corte fisiológico (o qual é controlado por meio de sensores
químicos), o PTH é liberado pela paratireóide e induz a mobilização das
reservas de cálcio nos ossos, enquanto regula a sua excreção pelos rins. Quando
a liberação de PTH é equilibrada, o cálcio é mantido sob controle no sangue. No
entanto, quando a paratireóide não está funcionando corretamente, seja
produzindo muito ou pouco PTH, há consequências para o corpo. No hiperparatireoidismo,
os ossos tornam-se frágeis, devido à diminuição excessiva dos depósitos de
cálcio, o que leva à osteoporose. Cálculos renais também são um achado comum em
pacientes afetados. No hipoparatireoidismo, a falta de cálcio suficiente no
sangue também produz consequências clínicas, tais como espasmos musculares e tetania.
O PTH é uma faca de dois gumes no metabolismo ósseo
Acabamos de ver que o PTH, em excesso, pode causar osteoporose.
Assim, por que este hormônio tem sido utilizado no tratamento da osteoporose?
Há mais de uma década, alguns análogos do PTH estão disponíveis para o
tratamento desta condição. O PTH tem um duplo modo de ação no metabolismo
ósseo, estimulando tanto as células que produzem quanto as reabsorvem osso
(osteoblastos e osteoclastos, respectivamente), ao mesmo tempo. Se dado
continuamente, o PTH causa reabsorção óssea (catabolismo), aumentando a atividade
dos osteoclastos sobre a dos osteoblastos, o que leva à osteoporose, assim como
vemos em casos de hiperparatireoidismo, enquanto que a sua utilização
intermitente induz a produção de osso (anabolismo). É por isso que o atual
regime aprovado de PTH no tratamento da osteoporose é uma dose única diária, descrita
como intermitente.
Terapia de reposição hormonal é uma realidade, mas não para o PTH
Para pessoas com hipotireoidismo, a melhor terapia é a reposição
do hormônio da tireóide. Para os pacientes com diabetes tipo 1, onde não há
produção de insulina pelo pâncreas, a atual terapia padrão ouro é a reposição
de insulina. Para as pessoas com insuficiência de hormônio de crescimento (GH),
devido à deficiência da hipófise,
a utilização de GH é plenamente justificada. É notável que a única deficiência glandular
em que a terapia não inclui a reposição do hormônio falta é exatamente o
hipoparatireoidismo.
Terapia com PTH no hipoparatireoidismo
Embora o PTH tenha sido licenciado oficialmente somente para
tratar a osteoporose, tem sido também testado no hipoparatireoidismo. Em resumo,
o hipoparatireoidismo pode ser causado por dois tipos de distúrbios,
classificados como primários ou secundários. Se a doença está sendo causada por
um problema da glândula, então a causa é primária; quando a causa da
deficiência hormonal ocorre por fatores externos, por exemplo, cirurgia da
tireóide, então é secundária. É natural pensar que a substituição do PTH
poderia ser uma opção para o hipoparatireoidismo. De fato, há estudos que
trabalham com isso. Vamos olhar aqueles que estão sendo realizados pelo grupo
de Karen
Winer. Este grupo tem trabalhado com crianças com hipoparatireoidismo por
muitos anos e publicou alguns estudos relevantes (3-5). O primeiro, publicado
em 2003, descreveu os resultados de três anos de tratamento de adultos com
hipoparatireoidismo, mostrando que ele era pelo menos tão bom - e seguro - como
a terapia padrão com calcitriol (um análogo da vitamina D) e cálcio. Em dois
outros trabalhos mais recentes, eles testaram tanto a curto e longo prazo o
tratamento com PTH 1-34 em crianças com hipoparatireoidismo (4,5). Mais uma
vez, o PTH mostrou ser tão eficaz e seguro quanto a terapia padrão. Com base
nestes e em outros estudos publicados, poderíamos dizer que já há evidência para
o uso de reposição de PTH em indivíduos com hipoparatireoidismo.
Utilização experimental da terapia com PTH
O PTH foi testado não só no osso, mas também na cartilagem
em modelos animais, com base no efeito estabelecido deste hormônio sobre a
proliferação (multiplicação) de condrócitos. Um destes estudos explorarou o
efeito do PTH em um modelo de lesão da cartilagem articular (6). Neste caso, o
PTH foi dado sistemicamente, atingiu a cartilagem e induziu a regeneração do
tecido danificado.
Por que este estudo é importante? Porque mostra que, em um
tecido muito semelhante ao da cartilagem da placa de crescimento o PTH, administrado
à distância (sistemicamente), foi capaz de alcançar a área de interesse e
exerceu a ação esperada. Mesmo tendo em conta que os condrócitos articulares
não são exatamente iguais aos dos da placa de crescimento, o mecanismo básico por
trás do efeito é bastante semelhante, ou seja, os condrócitos começam a
proliferar sob o estímulo produzido pela ligação do PTH com o seu receptor.
Outros estudos exploraram o PTH na reparação de danos em tendão
e no reparo de fraturas ósseas. Todos eles se baseiam nos efeitos
proliferativos/anabólicos do PTH no osso e na cartilagem.
Em resumo
Revimos algumas propriedades do
PTH para saber se ele pode ser utilizado como uma opção terapêutica para a acondroplasia.
Até agora vimos que:
- O PTH tem uma molécula muito parecida, chamada de PTHrP, a qual difere da hormônio porque não circula no sangue em circunstâncias normais. Pelo contrário, é uma proteína localmente liberada;
- O PTH e o PTHrP funcionam na ativação de funções celulares ligando-se ao mesmo receptor na membrana celular dos condrócitos, o receptor de PTH;
- Na placa de crescimento da cartilagem, o papel fundamental do PTHrP é manter os condrócitos em um estado proliferativo (multiplicativo);
- Mutações no receptor de PTH, quer reduzindo ou aumentando a atividade do receptor causam alterações na placa de crescimento;
- As mutações do FGFR3 com ganho em função, como visto na acondroplasia, parecem reduzir a disponibilidade local de PTHrP na placa de crescimento;
- Usado clinicamente na osteoporose em adultos ou em estudos experimentais para o hipoparatireoidismo em adultos e crianças, o PTH vem demostrando um perfil razoavelmente seguro;
- Há evidências de que a PTH, dado sistemicamente, atinge o tecido da cartilagem, e exerce a ação esperada.
- Existem vários análogos de PTH em uso clínico ou em desenvolvimento agora. Eles podem ter propriedades distintas de acordo com o tamanho ou estrutura.
Agora, é hora de rever os dados específicos sobre PTH e
PTHrP na acondroplasia, o que faremos no próximo artigo.
Referências
2. Hattersley G et al. BA058, a Novel hPTHrP Analog, Reverses Bone
Loss and Improves Bone Strength in Ovariectomized Rats. Osteoporos Int 2012; 23
(Suppl 2):S77-8.
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