Saturday, November 3, 2012

Enzimas da cascata do FGFR3 podem ser alvos apropriados para o tratamento da acondroplasia


Introdução

Um estudo publicado recentemente (1) reforça a importância da via da quinase da proteína ativada por mitógeno (MAPK) para o crescimento ósseo. Geister e colaboradores, pesquisadores de Michigan e San Francisco, EUA, descreveram as consequências de uma mutação recém-identificada no gene que codifica (contem a instrução bioquímica para gerar) o receptor do peptídeo natriurético tipo C (CNP) (chamado de Npr2), que torna este peptídeo inativo.

Os autores descobriram que o mau funcionamento do receptor do CNP levou a um distúrbio de crescimento que se assemelha a uma síndrome humana rara chamada displasia acromesomélica, tipo Maroteux.
  • Geister KA et alA novel loss-of-function mutation in Npr2 clarifies primary role in female reproduction and reveals a potential therapy for acromesomelic dysplasia, Maroteaux type. Hum Mol Gen 2012; 1–13. doi:10.1093/hmg/dds432
Esta síndrome é caracterizada por nanismo com ossos curtos. Em resumo, eles descreveram o efeito no crescimento ósseo da falta da sinalização do CNP nos condrócitos e, consequentemente, na placa de crescimento. Agora, adivinhe o que eles fizeram para superar a presença do mau funcionamento da sinalização do CNP em seus modelos de animais. Se você pensou que eles miraram na cascata de sinalização do receptor do fator de crescimento de fibroblastos tipo 3 (FGFR3), acertou. Os alvos foram as enzimas chamadas MEK1 e MEK2 e, com o uso de inibidores específicos contra essas enzimas, eles foram capazes de resgatar o crescimento ósseo de seus modelos animais. 

Obviamente, concluíram deduzindo que esta estratégia pode ser usada para tratar outras condições em que a via MAPK é importante, tais como a acondroplasia.

Acondroplasia e o FGFR3

É sempre bom reforçar o nosso conhecimento sobre a biologia da acondroplasia. A acondroplasia é causada por uma mutação de ganho-de-função no gene que codifica o FGFR3. Na placa de crescimento, a função natural do FGFR3 é reduzir o ritmo de crescimento, atuando em concerto com diversos outros agentes, tais como o CNP. 

Devido à mutação, o FGFR3 está trabalhando (sinalizando) excessivamente, o que provoca uma redução acentuada da proliferação (multiplicação) e maturação (hipertrofia) dos condrócitos, as células responsáveis ​​pela construção da estrutura que será a base para a formação de osso novo. O resultado da sinalização excessiva do FGFR3 é que o indivíduo afetado terá ossos mais curtos e um canal espinhal mais estreito na coluna vertebral, alterações as quais, por sua vez irão conduzir às consequências clínicas comuns observadas na acondroplasia. Já comentamos este assunto aqui, mas o estamos visitando novamente por causa das informações que estudos como o de Geister et al. e de outros investigadores estão trazendo à luz.

FGFR3 é uma antena. Uma antena que funciona usando MAPK

O FGFR3 é um tipo de antena celular. Ele está localizado atravessado na membrana celular dos condrócitos e funciona como um transmissor de sinais do ambiente para o núcleo da célula, para permitir que a célula responda adequadamente a tais estímulos externos. 

Mas, como o FGFR3 trabalha? Como você sabe, proteínas como o FGFR3 são moléculas que têm propriedades químicas ativas (e também são chamados de enzimas). O FGFR3 reage a partir de uma ligação de um FGF em sua parte que fica fora da célula. Quando ocorre essa ligação dizemos que o receptor foi ativado. A ativação do receptor desencadeia uma reação em cadeia dentro da célula, uma cascata de ativação de outras enzimas, o que irá desencadear uma resposta celular através da estimulação do núcleo para ligar ou desligar os genes que codificam outras proteínas. Estas proteínas recém-formadas permitirão que a célula responda ao estímulo original produzido pela ligação do FGF com o FGFR3.

FGFR3 e MAPK

Vamos ver com mais detalhes a cascata enzimática do FGFR3. A cascata de sinalização principal desencadeada pelo FGFR3 é a via MAPK. Veja a figura a seguir, que mostra as principais enzimas envolvidas na reação iniciada pelo FGFR3.



Você também pode visitar outras fontes para verificar essa cascata enzimática. Por exemplo, a revisão pelo Dr. William Horton publicada aqui (acesso livre) contém uma figura didática mostrando esta cascata.

Em resumo, quando FGFs (verde) se ligam à parte extracelular de dois FGFR3 (vermelho) próximos, ocorre um acoplamento (chamamos de dimerização) das duas moléculas de FGFR3 e esta reação provoca uma mudança na posição de algumas partes intracelulares dos receptores o que, por sua vez, irá atrair moléculas vizinhas e proteínas como FRS2a, Sos e Grb, produzindo a transferência de íons de fósforo, um fenómeno que representa a ativação das enzimas. A ativação dessas proteínas desencadeia a ativação da cascata de enzimas da via MAPK, começando por Ras e então, Raf, MEK e ERK e p38. A ERK e p38 ativadas deslocam-se para o núcleo e desencadeiam a ativação de genes alvo para causar alterações no comportamento celular. Isso não é fácil de entender. É preciso tempo para digerir a complexidade dessas reações moleculares e por isso paramos por aqui sobre esses detalhes químicos.

O CNP atua inibindo a via MAPK. Poderíamos fazer o mesmo?

O CNP funciona bloqueando a sinalização produzida pela proteína Raf. Visite a revisão do Dr. Horton e veja a figura apresentando a cascata do FGFR3. Ela também mostra a interação do CNP com a cascata MAPK. Ao reduzir a atividade da cascata MAPK, o CNP restaura o crescimento ósseo. Podemos fazer o mesmo usando compostos sintéticos? Podemos bloquear a via MAPK? A resposta é sim. O principal problema aqui é que as enzimas MAPK têm papel chave em reações celulares em todos os tecidos do corpo, e parece excessivamente arriscado bloquear uma dessas moléculas para obter crescimento ósseo.

Mas, não é exatamente isso o que faz o CNP? Ele atua em todos os tecidos do corpo quando injetado em animais de teste descritos nos estudos publicados?
A razão pela qual um análogo do CNP está sendo pesquisado para se tornar uma terapia para a acondroplasia é que tem sido demonstrado que este peptídeo apresenta importância biológica especificamente e quase somente na placa de crescimento. No entanto, para um composto manufaturado concebido para bloquear, por exemplo, as enzimas MEK, como podemos fazê-lo bloquear apenas as MEKs produzidas pelos condrócitos na placa de crescimento?

Imagine isto: uma pílula que contém o inibidor de enzimas MEK é engolida e então absorvida no intestino. Como este composto anti-MEK "sabe" que não deve bloquear as MEKs produzidos nas células intestinais? Drogas clássicas geralmente não têm GPS para ajudá-las a encontrar o caminho, não sabem qual é a célula-alvo correta.

Existem vários compostos anti-Raf, anti-MEK e anti-ERK já no mercado ou em desenvolvimento para tratar uma série de condições, notadamente câncer (2). Alguns, como o vemurafenib (em inglês), um anti-Raf, já está sendo usado para tratar o melanoma.

Quando a doença a ser tratada é uma como este tipo de câncer devastador, há menos preocupação com potenciais efeitos colaterais, ou os chamados efeitos fora do alvo. Mas para condições não malignas, geralmente crônicas, e outras desordens de longo prazo, um julgamento equilibrado deve ser realizado. Se a droga produz muitos eventos adversos potencialmente perigosos, pode não valer a pena prosseguir na pesquisa na sua utilização para essas condições.

Medicamentos para a placa de crescimento precisam de GPS

É por isso que, embora existam várias drogas cujos alvos são a cascata MAPK, não vemos pesquisas direcionadas a analisar a possibilidade de tratar a acondroplasia com elas. É difícil e "arriscado" gastar recursos tentando encontrar um bom GPS para esses medicamentos. Bem, a placa de crescimento não é exatamente Times Square ou a Torre Eiffel, é mais como uma aldeia remota na floresta amazônica, onde você precisa de mapas, equipamentos e GPS para encontrá-la. Também revisamos este tema neste artigo anterior.

Comentários

Afinal, a boa notícia que estudos como este de Geister e colaboradores trazem, é o fato de que mais e mais evidências sobre o conceito de bloquear a MAPK para tratar a acondroplasia estão sendo publicadas.
Este artigo também reforça a ideia de que a via MAPK, e, especialmente, a enzima ERK e os seus alvos no núcleo dos condrócitos parecem ser essenciais para o crescimento do osso.

Como mencionei em um artigo recente, estamos chegando a um momento em que não estaremos mais perguntando se haverá uma terapia para a acondroplasia, perguntaremos qual vamos usar para tratar os nossos filhos.

References

1. 
Geister KA et al. A novel loss-of-function mutation in Npr2 clarifies primary role in female reproduction and reveals a potential therapy for acromesomelic dysplasia, Maroteaux type. Hum Mol Gen 2012; 1–13. doi:10.1093/hmg/dds432.

2. Santarpia L et al. Targeting the MAPK-RAS-RAF signaling pathway in cancer therapy. Expert Opin Ther Targets 2012;16(1):103-119. (free access).



10 comments:

  1. Reeditei este artigo com pequenas mudanças em alguns pontos da versão em português deste texto.

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  2. Dr. Morrys, a displisia de Mckusick também é afetada pelo fgfr3?

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    1. Olá Clau, a displasia de Mckusick é provocada por alterações no gene que contem as informações para a produção da enzima endoribonuclease processadora de RNA mitocondrial (itochondrial RNA-processing endoribonuclease; RMRP). No link a seguir, em inglês, você encontra um bom resumo da síndrome: https://www.rarediseases.org/rare-disease-information/rare-diseases/byID/636/viewFullReport

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    2. Dr. Morrys, obrigada pelo retorno. Aproveito a oportunidade para perguntar se o senhor sabe se existe algum tratamento em estudo para esse tipo de displasia? O BMN11 poderia ser útil para esses casos também?

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    3. Difícil dizer, Clau. A mutação da RMRP gera mudanças no nível de diversas enzimas que participam do programa de crescimento de condrócitos, algumas em comum com as vias ativadas pelo FGFR3, com consequências similares as que acontecem na acondroplasia (por exemplo: alterações na zona hipertrófica da placa de crescimento). Como o mecanismo pelo qual essas enzimas encontram-se alteradas é diferente, seria preciso testar a molécula em um modelo apropriado antes de afirmar que ela poderia ser usada nessa outra indicação.

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    4. Dr. Morrys, o senhor sabe se existe algum tratamento em estudo, em qualquer lugar do mundo, para esse tipo de displasia? Alongamento ósseo poderia ser uma alternativa? Minha filha já tem 5 anos e 7 meses, e corremos contra o tempo para conseguir alguma forma de melhorar a qualidade de vida dela.

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    5. Clau, fiz uma pequena pesquisa no banco de dados de estudos clínicos dos EUA (clinicaltrials.gov e não encontrei nenhum estudo clínico ativo para Mckusick. Sobre alongamento, não sou capaz de responder se a cirurgia seria bem sucedida para uma crianlça com a síndrome. Creio que seria interessante fazer uma consulta com um especialista. Talvez até por email seja possível obter alguma informação. Você pode tentar contato nesses dois centros: o grupo de Baltimore: http://www.limblength.org/RIAO/InternationalCenterforLimbLengthening2.aspx. e Dr Dror Paley: http://www.limblengtheningdoc.org/. Os dois sites são em inglês.

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  4. Obrigada pela atenção Dr. Morrys. Meu e-mail é claudiener@hotmail.com. Caso apareça alguma novidade ou se conhecer mais alguém com essa síndrome passe meu contato, por favor.

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  5. Tenho dúvida sobre tratamento adequado como acabar com FGFR3

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