A primeira potencial terapia para o tratamento do
comprometimento do crescimento ósseo na acondroplasia, o análogo do peptídeo
natriurético tipo C (CNP) BMN-111, entrou na fase de desenvolvimento clínico.
Surpreendentemente, ao contrário do que aconteceu com outras
condições genéticas, onde há também deficiência de crescimento e terapias
disponíveis, há um debate contínuo nas comunidades interessadas sobre o conceito
de tratar a acondroplasia. Muitas perguntas são bastante relevantes, outras,
apesar de expressarem preocupações genuínas e valiosas, vem envolvidas em ideias
equivocadas.
Um desses enganos é sobre o que são essas novas potenciais
terapias sob investigação para acondroplasia. O objetivo aqui é falar sobre
uma ideia comum em relação a essas novas perspectivas: podem essas conhecidas possíveis
estratégias terapêuticas curar a acondroplasia?
Para buscar uma resposta a esta questão, precisamos entender
o que é a acondroplasia.
Acondroplasia é o resultado da presença de uma molécula errada em uma
sequência de um gene
Cada uma das proteínas que nossas células produzem é codificada
(tem o manual de instruções para sua produção armazenado) no DNA. O DNA é uma
cadeia longa feita de uma combinação de quatro moléculas chamadas nucleotídeos:
adenina, timina, citosina e guanina (A, T, C e G). Dentro do DNA, algumas combinações
de nucleotídeos na cadeia irão compor genes, enquanto outras vão dar origem a
outras importantes moléculas regulatórias. Pense no DNA como um cofre de
armazenamento de informações muito importantes.
Você deve lembrar que as proteínas são também formadas por
um outro tipo de cadeia, feita de aminoácidos. Revimos este tema aqui. Você deve
lembrar também que quando uma célula precisa produzir uma proteína para
responder, digamos, a um estímulo externo, ela vai iniciar uma reação química
que vai fazer o seu núcleo produzir essa proteína, a partir da “abertura”
do DNA, o cofre onde o gene está "guardado". O gene será
"lido" e "transcrito" (transcrição) em uma molécula de RNA
e, em seguida, este RNA será "traduzido" (tradução/translação) para a proteína
necessária. No gene, os nucleotídeos são numerados de acordo com sua posição na cadeia. Uma determinada combinação de três nucleotídeos em um
gene corresponde a um aminoácido específico na proteína. Essas combinações são
chamadas de códons e você pode encontrar uma boa tabela mostrando todas as
combinações de códons neste artigo da Wikipedia. Na cadeia da proteína, os aminoácidos também recebem um número de acordo com sua posição na cadeia.
A função ou funções de uma proteína específica serão
determinadas por suas propriedades químicas as quais, por sua vez, são
consequências das combinações de aminoácidos na sua estrutura. Cada aminoácido
tem diferentes propriedades elétricas, por isso um aminoácido erradamente
introduzido na cadeia da proteína ao invés do correto pode alterar a conformação
da proteína inteira e / ou sua função. Isto é exatamente o que acontece na
acondroplasia.
Aprendemos que a mutação mais comum na acondroplasia é
muitas vezes chamada de G380R. Isto significa que, na posição 380 da cadeia da
proteína receptor do fator de crescimento fibroblasto tipo 3 (FGFR3), um
aminoácido chamado arginina foi posto no lugar de um outro chamado glicina
(tente ver a cadeia como se fosse uma sequência de blocos de lego, cada bloco
com cores ou formas distintas). Ao checarmos, no gene FGFR3, a posição do codón
responsável pelo aminoácido 380, vemos que, nesse codón, que deveria ser GGA ou
GGG para codificar glicina, o primeiro G na posição 1138 foi substituído por um
A, resultando em um destes dois codóns: AGA ou AGG, ambos codificando arginina.
É por isso que a outra maneira de citar a mutação do FGFR3 na acondroplasia é
G1138A. Além disso, em casos mais raros na acondroplasia, quando existe um C no
lugar do G (G1138C), também encontraremos arginina em lugar da glicina (veja a
tabela mencionada acima), causando as mesmas consequências clínicas.
Figura. FGFR3 na acondroplasia
Em resumo, na acondroplasia há um erro químico na estrutura
do gene FGFR3 (no DNA), que altera a
produção da proteína FGFR3, levando a uma alteração da sua conformação, que por
sua vez faz com que fique excessivamente ativa. Como o FGFR3 é um controlador
negativo do crescimento do osso, sua superatividade provoca comprometimento do
crescimento do osso. Você pode aprender mais sobre a genética da acondroplasia
lendo este artigo do grupo do Dr. William Wilcox (Foldynova-Trantirkova S. et al. 2012, em inglês).
Como funcionam as conhecidas potenciais terapias?
Embora já seja possível substituir ou desligar um gene
defeituoso no laboratório, que eu saiba, não há nenhum estudo publicado até o
momento que tenha verificado se essa estratégia funcionaria em um modelo animal
vivo de acondroplasia. Todas as terapias atuais conhecidas em diversos estágios
de desenvolvimento pré-clínico e clínico são direcionadas para a atividade da
proteína FGFR3 ou para neutralizar seus efeitos ativando outros controladores
positivos do crescimento ósseo. Elas não são projetadas para alterar o código
genético. Isto inclui todas as estratégias que estamos discutindo neste blog,
como o CNP, hormônio da paratireóide, peptídeos, aptâmeros e anticorpos. Outras,
tais como a MK-4, os siRNAs (RNAs de interferência) e, novamente, os
aptâmeros, são dirigidos para a interferir na expressão do gene FGFR3, não alteram o código
genético em si. Em outras palavras, estas estratégias afetam a transcrição e / ou a translação do gene. Os links acima o levarão a artigos anteriores deste blog, onde
você pode encontrar mais informações sobre essas estratégias. Você também pode visitar a página de Referências do blog, onde você encontrará estudos
científicos sobre essas abordagens, com acesso livre.
Em resumo, nenhuma potencial terapia atualmente disponível para
a acondroplasia iria mudar o DNA de um indivíduo afetado. Uma pessoa com acondroplasia permanecerá com acondroplasia, pois esses
tratamentos não podem curar a desordem genética, apenas abordarão suas principais consequências.
Para enfatizar, atuais
terapias potenciais, como o BMN-111, não vão curar a acondroplasia. No
entanto, poderão ajudar a melhorar as muitas consequências clínicas geralmente
vistas em indivíduos afetados e, possivelmente, resultarão em um melhor
crescimento dos ossos e, consequentemente, em uma altura final maior no adulto,
o que é muito bom também.
Finalmente, como essas novas terapias potenciais não são
direcionadas para alterar o código genético de qualquer pessoa, não deveria
haver qualquer preocupação sobre elas fazerem parte de uma estratégia para
eliminar a diversidade genética humana, um pensamento comum que tem sido expresso
entre as pessoas que questionam esses tratamentos. Estes novos potenciais tratamentos devem ser entendidos como o são quaisquer outras terapias
disponíveis para condições crônicas que também afetam o crescimento. Um
excelente exemplo é o hipopituitarismo genético (também causado por mutações de
troca simples em um ou mais genes), que pode causar deficiência de hormônio de
crescimento (GH). Já existe um tratamento para a deficiência de GH e ninguém no
mundo iria dizer que uma criança tendo esta condição não deveria ser tratada por
causa da questão da diversidade genética.
O verdadeiro desafio principal por vir
Parece que terapias para acondroplasia podem se tornar
amplamente disponíveis em um futuro próximo (3-5 a 10 anos, pensando em todas
atualmente sob investigação). Agora é a hora perfeita não para discutir sobre
se as crianças afetadas devem ser tratadas ou não. Devido à prevalência relativamente baixa da acondroplasia e da hipocondroplasia, pode-se estimar que
qualquer terapia para essas condições será cara: basta olhar para outras
condições genéticas ou raras com prevalência semelhante. Portanto, nos próximos
anos, o principal desafio dos pais e grupos de defesa será como garantir o
acesso a esses tratamentos para todas as crianças que poderiam se beneficiar com
seu uso. Já deveríamos estar nos preparando para a batalha.
N.A.: alguns dos links neste artigo levam o leitor a páginas em inglês pois não foram encontrados boas fontes de referência para os respectivos temas em português.
No comments:
Post a Comment