O FGFR3 e o CNP na placa de crescimento da cartilagem
Nos últimos dois anos, no mundo inteiro pessoas interessadas em encontrar alternativas terapêuticas para as condrodisplasias relacionadas à mutações do receptor de fator de crescimento de fibroblastos tipo 3 (FGFR3) e, especialmente, para a acondroplasia, têm prestado atenção ao análogo do peptídeo natriurético tipo C (CNP) BMN -111, que está atualmente em desenvolvimento clínico como uma terapia potencial para a acondroplasia.
Nos últimos dois anos, no mundo inteiro pessoas interessadas em encontrar alternativas terapêuticas para as condrodisplasias relacionadas à mutações do receptor de fator de crescimento de fibroblastos tipo 3 (FGFR3) e, especialmente, para a acondroplasia, têm prestado atenção ao análogo do peptídeo natriurético tipo C (CNP) BMN -111, que está atualmente em desenvolvimento clínico como uma terapia potencial para a acondroplasia.
O FGFR3 tem sido descrito como capaz de reduzir a capacidade dos condrócitos para proliferar e amadurecer a um estado chamado de hipertrofia (1,2; também revisto aqui). O FGFR3 atua através da ativação de uma série de reações químicas controladas no interior da célula, que costumamos denominar de cascatas ou vias (figura).
O
CNP funciona inibindo uma das cascatas químicas mais importantes desencadeadas
pela ativação do FGFR3, a via Ras-Raf-MEK-ERK (1,2; também comentado aqui). Estas
siglas identificam um grupo de proteínas com propriedades químicas ativas e,
por conseguinte, são chamadas enzimas (a via da mitogen activated protein kinase ou enzimas MAPK).
A
cascata MAPK, quando ativada pelo FGFR3 em condrócitos, a célula principal da
placa de crescimento cartilaginosa, age como um freio no processo de
crescimento ósseo e, assim, o FGFR3 é um controlador negativo natural do
crescimento ósseo. Quando
o FGFR3 está superativo, os condrócitos não podem multiplicar-se e amadurecer
normalmente e menos tecido ósseo é criado, resultando em ossos mais curtos,
especialmente os apendiculares (braços e pernas). Agora,
você tem uma ideia de como uma mutação ativadora do FGFR3 leva à deficiência do
crescimento ósseo vista na acondroplasia. Agora,
vamos ver mais detalhadamente como as cascatas do FGFR3 e do CNP interagem
dentro dos condrócitos.
Quando o CNP se liga ao seu receptor, chamado NPR-b, na membrana celular dos condrócitos, desencadeia uma cascata química que vai bloquear a cascata MAPK no nível da enzima Raf (figura). Neste caso, como as enzimas MAPK têm sua atividade reduzida, os outros mecanismos que controlam o crescimento do osso são, pelo menos parcialmente, restaurados, o condrócitos é novamente capaz de se multiplicar e amadurecer e o crescimento ósseo é resgatado. Isto é verdade em ratos e presumivelmente nos outros modelos de animais que foram expostos ao BMN-111. Atualmente não há nenhum artigo que descreva o efeito da administração do CNP em animais maiores, mas sabemos que, durante uma apresentação pública onde o programa BMN-111 foi anunciado, o desenvolvedor deste análogo do CNP revelou que macacos expostos cresceram mais que o esperado.
O mecanismo de crescimento ósseo é complexo
O
crescimento ósseo é um processo muito complexo, onde os condrócitos na
cartilagem da placa de crescimento entram em um programa rápido e extremamente
dinâmico determinado pelos efeitos das reações causadas por moléculas locais e
sistémicas (na maioria das vezes proteínas ou peptídeos). Quando
você ler local, isso significa que a
proteína ou o agente é produzido pelas células na placa de crescimento ou na
vizinhança (por exemplo: FGFR3, CNP, PTHrP; veja os artigos anteriores do blog
para mais detalhes). Sistêmico
significa que o agente é produzido longe da placa de crescimento, tais como os
hormônios da hipófise ou da paratiróide.
Um estudo mostra os efeitos do CNP no crescimento ósseo por outro ponto de vista
Um estudo mostra os efeitos do CNP no crescimento ósseo por outro ponto de vista
Um
estudo recente, de Ono e colaboradores (3), e publicado na revista Human Molecular Genetics, adiciona mais
complexidade a este processo. Os
autores descrevem a função da proteína chamada neurofibromina, uma proteína comum, presente em várias células, nos
condrócitos. O
seu papel nos condrócitos não é completamente compreendido, bem como a sua
relevância para o desenvolvimento apropriado da placa de crescimento. Os
autores testaram um grande número de possíveis conexões que essa proteína
poderia ter com alguns dos outros agentes de crescimento locais, entre eles o FGFR3,
CNP, IHH e PTHrP.
O que é relevante neste estudo, quando se pensa em acondroplasia?
O que é relevante neste estudo, quando se pensa em acondroplasia?
Eles
descobriram que a neurofibromina exerce a sua função reguladora no
desenvolvimento endocondral (é assim que os cientistas citam o processo pelo
qual crescem os ossos longos, por meio do desenvolvimento da placa de
crescimento da cartilagem, endochondral
development), agindo como um inibidor da cascata MAPK do FGFR3 ativado. A
neurofibromina tem algumas propriedades semelhantes a de outras enzimas denominadas
GTPases (o sufixo ase descreve uma enzima) que reduzem
naturalmente a atividade da enzima Ras,
a primeira enzima ativada pelo FGFR3 na cascata MAPK. Neste
estudo, os investigadores demonstraram que a ação da neurofibromina é
semelhante ao efeito do CNP na cascata MAPK (revista aqui). Quando
eles tiraram a neurofibromina das células, os condrócitos reduziram a sua
proliferação e capacidade de maturação e os ossos cresceram menos, à semelhança
do que acontece nos casos de mutações hiperativas do FGFR3. Quando
eles injetaram CNP nos animais carentes de neurofibromina, o crescimento ósseo
foi resgatado.
Além disso, observaram que os condrócitos mutantes (sem neurofibromina), também produziam menos a IHH, outro fator fundamental para o crescimento da cartilagem e do osso, e que por sua vez também é importante para a geração de PTHrP. Sabemos que IHH e PTHrP são muito importantes para o bom desenvolvimento da placa de crescimento (4; também revisto neste artigo do blog).
Poderíamos pensar que a superexpressão (ou superprodução) de neurofibromina poderia resgatar o crescimento ósseo na acondroplasia, mas isso seria muito difícil, já que a neurofibromina é uma proteína universal e sua desregulação (para mais ou para menos) poderia trazer efeitos indesejados ao indivíduo tratado. No entanto, este estudo traz à tona mais informações valiosas sobre como a MAPK atua nos condrócitos.
Para concluir, este estudo examina e confirma, entre outros resultados relevantes, como o CNP trabalha na placa de crescimento, trazendo mais evidências para seu uso em terapias potenciais para a acondroplasia.
Outros análogos do CNP no horizonte?
Além disso, observaram que os condrócitos mutantes (sem neurofibromina), também produziam menos a IHH, outro fator fundamental para o crescimento da cartilagem e do osso, e que por sua vez também é importante para a geração de PTHrP. Sabemos que IHH e PTHrP são muito importantes para o bom desenvolvimento da placa de crescimento (4; também revisto neste artigo do blog).
Poderíamos pensar que a superexpressão (ou superprodução) de neurofibromina poderia resgatar o crescimento ósseo na acondroplasia, mas isso seria muito difícil, já que a neurofibromina é uma proteína universal e sua desregulação (para mais ou para menos) poderia trazer efeitos indesejados ao indivíduo tratado. No entanto, este estudo traz à tona mais informações valiosas sobre como a MAPK atua nos condrócitos.
Para concluir, este estudo examina e confirma, entre outros resultados relevantes, como o CNP trabalha na placa de crescimento, trazendo mais evidências para seu uso em terapias potenciais para a acondroplasia.
Outros análogos do CNP no horizonte?
Outra
informação relevante oferecida neste estudo está relacionada com o tipo de CNP que
os investigadores utilizaram para realizar os testes. Eles
escolheram um análogo diferente do CNP que eles chamaram de NC-2. O
NC-2 tem uma meia-vida muito longa em comparação com o CNP (~ 20h vs. ~ 3 min)
e é o resultado da montagem de uma parte da molécula do CNP com a parte básica
de um anticorpo (que chamamos de parte Fc
de uma imunoglobulina G, IgG). Ainda não
consegui encontrar mais informações sobre este composto além do que está
descrito no estudo de Ono e colaboradores, por isso há muitas perguntas a fazer
sobre ele. Mas,
pelo menos dois pontos são interessantes: com a estrutura descrita no seu
trabalho, parece que o NC-2 é uma molécula grande (bem maior do que o CNP
natural). Uma
vez que ele mostrou funcionar nos testes realizados, pode-se perguntar se os
pesquisadores observaram quaisquer efeitos tóxicos nos animais testados ou
qualquer outra evidência de efeitos indesejáveis sob a longa exposição ao NC-2. Por
exemplo, é preciso lembrar que o BMN-111, o outro conhecido análogo do CNP,
tem uma meia-vida de 20 minutos e provoca efeitos leves na pressão arterial
(5).
O outro ponto é que a molécula chamada de FP-1039 (6), que mencionei no artigo anterior do blog, também é composta por uma parte Fc da IgG, e assim também é uma molécula grande. Já que o NC-2 parece atingir a placa de crescimento, seria interessante saber se o FP-1039 também alançou a placa de crescimento nas experiências feitas durante os testes com este composto.
Portas estão se abrindo.
O outro ponto é que a molécula chamada de FP-1039 (6), que mencionei no artigo anterior do blog, também é composta por uma parte Fc da IgG, e assim também é uma molécula grande. Já que o NC-2 parece atingir a placa de crescimento, seria interessante saber se o FP-1039 também alançou a placa de crescimento nas experiências feitas durante os testes com este composto.
Portas estão se abrindo.
Referências
- Horton W. Molecular pathogenesis of achondroplasia. GGH 2006; 22 (4): 49-54.
- Foldynova-Trantirkova S et al. Sixteen years and counting: the current understanding of fibroblast growth factor receptor 3 (FGFR3) signaling in skeletal dysplasias. Hum Mutat 2012; 33:29–41.
- Ono K et al. The Ras-GTPase activity of neurofibromin restrains ERK-dependent FGFR signaling during endochondral bone formation. Hum Mol Genet 2013; 22(15): 3048–62. doi: 10.1093/hmg/ddt162.
- Kronemberg H. Developmental regulation of the growth plate. Nature 2003; 423: 332-6.
- Biomarin press release.
- Harding TC et al. Blockade of nonhormonal fibroblast growth factors by FP-1039 inhibits growth of multiple types of cancer. Sci Transl Med 2013;5:178ra39.