As células do nosso corpo, independentemente do órgão ou tecido a que pertencem, respeitam uma espécie de Constituição: elas se comportam de acordo com um programa muito rigoroso para multiplicar-se, exercer suas funções e morrer. As células cancerígenas são células que perderam sua identidade e não respeitam essas regras naturais, tornam-se foras-da-lei. Elas perturbam a ordem natural abusando da mesma energia que as células normais utilizam, as reações químicas decorrentes da miríade de interações entre as milhares de proteínas (enzimas) e outros compostos que armazenam a energia que nosso corpo cria para manter-se funcionando. Podemos dizer que elas usam essas linhas de força à vontade e esta capacidade é um modo de defini-las. As linhas de energia celular, como mencionado acima, são feitas de reações químicas organizadas em cascatas de enzimas, desencadeadas por uma espécie de dedo tocando o interruptor de luz na parede da sala.
O interruptor na parede é como um receptor celular, tal qual o nosso familiar receptor de fator de crescimento de fibroblastos do tipo 3 (FGFR3). Um FGF (chamamos de ligante) adere à parte externa do FGFR3 e inicia uma cascata de reações dentro da célula. Você toca o interruptor da parede e a lâmpada acende.
Se você
cortar a energia a lâmpada não acenderá
A célula cancerígena utiliza uma grande quantidade de receptores para gerenciar sua energia e manter o seu crescimento. Neste contexto, a cascata de sinalização FGF-FGFR já foi identificada como sendo um meio importante através do qual vários tipos de células cancerígenas são capazes de se multiplicar e de se desenvolver. Já comentamos aqui no blog sobre alguns desses tipos de câncer que usam o FGFR3 para se manter, sobreviver e crescer (mieloma múltiplo e câncer de bexiga são apenas dois exemplos).
Tendo estabelecido o papel dos FGFRs na progressão do câncer, várias estratégias diferentes com o objetivo de bloquear essa família de enzimas e vencer esses cânceres estão sendo desenvolvidas. De fato, há pelo menos dois anticorpos contra o FGFR3 em desenvolvimento e vários inibidores de tirosinoquinase (drogas bloqueadoras de enzimas) em estudos clínicos ou já disponíveis para combater o câncer associado aos FGFRs. Estes medicamentos visam diretamente o receptor (o FGFR3), como você pode se lembrar de outros artigos do blog. Se o receptor for bloqueado, os FGFs não podem estimular a célula a proliferar e as células cancerígenas perdem a capacidade de proliferar e / ou sobreviver.
A célula cancerígena utiliza uma grande quantidade de receptores para gerenciar sua energia e manter o seu crescimento. Neste contexto, a cascata de sinalização FGF-FGFR já foi identificada como sendo um meio importante através do qual vários tipos de células cancerígenas são capazes de se multiplicar e de se desenvolver. Já comentamos aqui no blog sobre alguns desses tipos de câncer que usam o FGFR3 para se manter, sobreviver e crescer (mieloma múltiplo e câncer de bexiga são apenas dois exemplos).
Tendo estabelecido o papel dos FGFRs na progressão do câncer, várias estratégias diferentes com o objetivo de bloquear essa família de enzimas e vencer esses cânceres estão sendo desenvolvidas. De fato, há pelo menos dois anticorpos contra o FGFR3 em desenvolvimento e vários inibidores de tirosinoquinase (drogas bloqueadoras de enzimas) em estudos clínicos ou já disponíveis para combater o câncer associado aos FGFRs. Estes medicamentos visam diretamente o receptor (o FGFR3), como você pode se lembrar de outros artigos do blog. Se o receptor for bloqueado, os FGFs não podem estimular a célula a proliferar e as células cancerígenas perdem a capacidade de proliferar e / ou sobreviver.
Um anticorpo liga-se à parte externa do receptor e não permite que o ligante acople, como uma fita impedindo o dedo de ligar o interruptor. |
Outra maneira
de bloquear a ativação dos receptores
Há alguns anos, uma empresa de biotecnologia (FivePrime, San Francisco, CA, EUA) vem trabalhando em uma estratégia que não visa o receptor, mas o ligante. A FivePrime desenvolveu uma molécula chamada FP-1039 na qual combinou a parte externa do FGFR1, uma outra enzima da família FGFR, com a fração pesada de uma imunoglobulina G (ou, em outras palavras, a parte básica de um anticorpo). O objetivo desta estratégia é o de capturar os FGFs circulantes antes que eles sejam capazes de se ligar ao FGFR, bloqueando assim a capacidade da célula de câncer de usar esta linha de energia para manter o crescimento. Um dado importante é que o FP-1039 foi concebido para capturar apenas os FGFs que têm mais afinidade com o FGFR1. Isso é relevante porque, entre os 23 FGFs já identificados, alguns não podem ser bloqueados sob o risco de se causar eventos adversos graves. Este composto seria como um receptor para os FGFs com mais afinidade pelo FGFR1, mas como não está fixado à membrana da célula seria capaz de prender os ligantes próximos, competindo com o receptor, como um chamariz ou armadilha.
Há alguns anos, uma empresa de biotecnologia (FivePrime, San Francisco, CA, EUA) vem trabalhando em uma estratégia que não visa o receptor, mas o ligante. A FivePrime desenvolveu uma molécula chamada FP-1039 na qual combinou a parte externa do FGFR1, uma outra enzima da família FGFR, com a fração pesada de uma imunoglobulina G (ou, em outras palavras, a parte básica de um anticorpo). O objetivo desta estratégia é o de capturar os FGFs circulantes antes que eles sejam capazes de se ligar ao FGFR, bloqueando assim a capacidade da célula de câncer de usar esta linha de energia para manter o crescimento. Um dado importante é que o FP-1039 foi concebido para capturar apenas os FGFs que têm mais afinidade com o FGFR1. Isso é relevante porque, entre os 23 FGFs já identificados, alguns não podem ser bloqueados sob o risco de se causar eventos adversos graves. Este composto seria como um receptor para os FGFs com mais afinidade pelo FGFR1, mas como não está fixado à membrana da célula seria capaz de prender os ligantes próximos, competindo com o receptor, como um chamariz ou armadilha.
Suas
experiências, publicadas recentemente na Science Translational Medicine (1), têm
demonstrado que as células cancerígenas que produzem um FGFR1 mutado ou que superproduzem o receptor e também o FGFR2 morrem quando a FP-1039 é introduzida no
meio onde são cultivadas.
Modelos de ratos, portadores de tumores humanos onde o FGFR1 ou o FGFR2 são produzidos, também responderam positivamente ao tratamento com a FP-1039. É interessante notar que os cientistas perceberam que nem todos os tipos de tecidos doentes que ostentam mutações do FGFR1 eram sensíveis a este composto. Por isso, eles também fizeram testes para identificar que tipo de tumor seriam mais propensos a responder ao tratamento e descobriram que esses também tendem a co-produzir significativamente (eles dizem expressar) FGFR3. Eles já realizaram um ensaio clínico de fase 1 (2; NCT00687505), que é referido nesse recente artigo.
Parece convincente. A idéia é simples: se você não pode usar o dedo para ligar o interruptor, a lâmpada fica desligada, não é? Isto seria muito desejável em condições em que o interruptor (o receptor) são muito ativos, como por exemplo na acondroplasia.
No entanto, as coisas não são tão simples e há dúvidas quanto ao modo como a FP-1039 age. Em 2011, em uma entrevista para uma outra revista (3) o Dr. Moosa Mohammadi (veja o link ao lado para a página dele) apontou que uma das características dos FGFs-alvo da FP-1039 é que eles não costumam circular livremente pelo corpo. O estudo das interacções entre os FGFs e seus receptores mostrou que eles são mantidos como que aprisionados na vizinhança dos seus receptores por um outro grupo de moléculas presentes na matriz celular (interstício), os proteoglicanos associados a sulfato de heparan (HSPGs). As cartilagens de crescimento são ricas em HSPGs. Dado este padrão estrutural, Dr. Mohammadi questionava que o modo de ação da FP-1039 poderia ser menos específico (ou não exatamente visando os FGFs). Uma hipótese seria a de que a FP-1039 estaria competindo com FGFs pelos HSPGs. Sem HSPGs, o FGFR não pode ser ativado. Apesar dessas dúvidas, a FP-1039 tem demonstrado que funciona nos modelos de câncer testados.
Poderia uma estratégia como esta ser usada para tratar a acondroplasia?
Em teoria, a resposta é sim. O mesmo princípio que justifica seu uso no câncer que abusa da sinalização do FGFR1 ou FGFR2 é válido para as situações em que o FGFR3 é o alvo. É importante saber que os mesmos FGFs que se ligam ao FGFR1 se ligam ao FGFR3. Se os ligantes estão aprisonados, o receptor continua desativado e não sinaliza ou exerce os seus papéis na atividade celular. Em uma condição como a acondroplasia, onde só queremos parar o receptor, esta poderia ser uma possível solução.
A questão aqui é mais uma vez ter uma molécula como a FP-1039 testada em modelos animais que carreguem a mutação do FGFR3 presente na acondroplasia. O perfil de toxicidade deste composto em particular já está basicamente entendido (lembre-se, o trabalho pré-clínico já foi feito, bem como o primeiro estudo clínico), então a primeira coisa é verificar se ele iria funcionar em um modelo animal. Talvez, nos estudos já realizados para o câncer, os cientistas que trabalham com ele já poderiam ter identificado uma resposta do FGFR3 à droga: as placas de crescimento em ratos nunca fecham definitivamente, portanto, um efeito residual da droga poderia ser observado nos animais testados, se os pesquisadores prestaram atenção a este padrão. Em outras palavras, é possível que os animais testados tivessem mostrado crescimento adicional durante os testes com a medicação exeprimental.
Modelos de ratos, portadores de tumores humanos onde o FGFR1 ou o FGFR2 são produzidos, também responderam positivamente ao tratamento com a FP-1039. É interessante notar que os cientistas perceberam que nem todos os tipos de tecidos doentes que ostentam mutações do FGFR1 eram sensíveis a este composto. Por isso, eles também fizeram testes para identificar que tipo de tumor seriam mais propensos a responder ao tratamento e descobriram que esses também tendem a co-produzir significativamente (eles dizem expressar) FGFR3. Eles já realizaram um ensaio clínico de fase 1 (2; NCT00687505), que é referido nesse recente artigo.
Parece convincente. A idéia é simples: se você não pode usar o dedo para ligar o interruptor, a lâmpada fica desligada, não é? Isto seria muito desejável em condições em que o interruptor (o receptor) são muito ativos, como por exemplo na acondroplasia.
No entanto, as coisas não são tão simples e há dúvidas quanto ao modo como a FP-1039 age. Em 2011, em uma entrevista para uma outra revista (3) o Dr. Moosa Mohammadi (veja o link ao lado para a página dele) apontou que uma das características dos FGFs-alvo da FP-1039 é que eles não costumam circular livremente pelo corpo. O estudo das interacções entre os FGFs e seus receptores mostrou que eles são mantidos como que aprisionados na vizinhança dos seus receptores por um outro grupo de moléculas presentes na matriz celular (interstício), os proteoglicanos associados a sulfato de heparan (HSPGs). As cartilagens de crescimento são ricas em HSPGs. Dado este padrão estrutural, Dr. Mohammadi questionava que o modo de ação da FP-1039 poderia ser menos específico (ou não exatamente visando os FGFs). Uma hipótese seria a de que a FP-1039 estaria competindo com FGFs pelos HSPGs. Sem HSPGs, o FGFR não pode ser ativado. Apesar dessas dúvidas, a FP-1039 tem demonstrado que funciona nos modelos de câncer testados.
Poderia uma estratégia como esta ser usada para tratar a acondroplasia?
Em teoria, a resposta é sim. O mesmo princípio que justifica seu uso no câncer que abusa da sinalização do FGFR1 ou FGFR2 é válido para as situações em que o FGFR3 é o alvo. É importante saber que os mesmos FGFs que se ligam ao FGFR1 se ligam ao FGFR3. Se os ligantes estão aprisonados, o receptor continua desativado e não sinaliza ou exerce os seus papéis na atividade celular. Em uma condição como a acondroplasia, onde só queremos parar o receptor, esta poderia ser uma possível solução.
A questão aqui é mais uma vez ter uma molécula como a FP-1039 testada em modelos animais que carreguem a mutação do FGFR3 presente na acondroplasia. O perfil de toxicidade deste composto em particular já está basicamente entendido (lembre-se, o trabalho pré-clínico já foi feito, bem como o primeiro estudo clínico), então a primeira coisa é verificar se ele iria funcionar em um modelo animal. Talvez, nos estudos já realizados para o câncer, os cientistas que trabalham com ele já poderiam ter identificado uma resposta do FGFR3 à droga: as placas de crescimento em ratos nunca fecham definitivamente, portanto, um efeito residual da droga poderia ser observado nos animais testados, se os pesquisadores prestaram atenção a este padrão. Em outras palavras, é possível que os animais testados tivessem mostrado crescimento adicional durante os testes com a medicação exeprimental.
Referências
1. Harding TC et al. Blockade of nonhormonal fibroblast growth factors by FP-1039 inhibits growth of multiple types of cancer. Sci Transl Med 2013;5:178ra39.
2. Tolcher
A et al. Preliminary results of a dose escalation study of the fibroblast
growth factor (FGF)
“trap” FP-1039 (FGFR1:Fc) in patients with advanced malignancies. 22nd
EORTC-NCI-ACR symposium on molecular targets and cancer therapeutics november 16-19,
2010. Berlin, Germany.
3. News and analysis. Deal watch: HGS and FivePrime in FGF 'ligand trap' deal. Nat Rev Drug Discov 2011;10(5):328.
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