O leitor deve ter em mente que este texto é como uma vista panorâmica sobre o assunto, com muitos detalhes retirados de propósito, para torná-lo mais fácil de entender. Nós falaremos apenas do FGFR3 e dos condrócitos da placa de crescimento, pois as reações podem ocorrer de forma ligeiramente diferente em outras condições ou tecidos do corpo.
Para alguns dos dezessete leitores que seguem este blog, o texto pode parecer repetitivo, com informações já conhecidas. No entanto, quando o assunto já foi visto antes, tento incluir um mais alguns detalhes, pois assim, juntos, seremos capazes de aumentar o nosso conhecimento. E, finalmente, para este texto preparei um glossário simples localizado antes das referências. As palavras em itálico receberam uma explicação curta e, se o texto parecer difícil de entender, espero que ajude um pouco. Alguns destes termos também têm links para outros sites que contem mais informações sobre eles.
Como o FGFR3 é feito
Revimos este processo em uma série de três artigos publicados no início de 2012 e você pode encontrá-los clicando na aba Português no topo da página. Busque os artigos que citam produção de FGFR3 e o mundo do RNA.
Em resumo
O FGFR3 é uma proteína ativa (uma enzima), uma grande molécula feita de outras menores chamadas aminoácidos. Pense no FGFR3 como uma longa cadeia de blocos de Lego (aminoácidos), cada um tendo cargas elétricas distintas. Quando a estrutura final do bloco é atingida, esta enzima receptora ganhará suas propriedades elétricas funcionais. Fazer uma enzima funcional, no entanto, depende de um longo processo de montagem.
O DNA é uma
espécie de cofre onde todas as instruções necessárias para criar proteínas estão
guardadas. Quando
o condrócito recebe um sinal químico instruindo a célula a produzir mais FGFR3,
um processo multi-passo começa por abrir o cofre.
Em primeiro lugar, fatores de transcrição se ligam a determinados trechos do DNA antes do ponto onde o gene FGFR3 está localizado. Quando um fator de transcrição faz isso, outras proteínas nucleares locais são acionadas e formam um complexo que começará a “ler” a sequência do gene (transcrição) para produzir uma cadeia de RNA que espelha o que está escrito no DNA. Esta cadeia de RNA é chamada de pré RNA mensageiro, ou simplesmente pré-mRNA. Você pode assistir a esses vídeos de curta duração (animação 1 e animação 2, ambos em inglês) para ter uma idéia de como a transcrição funciona.
A cadeia de RNA criada no processo de transcrição contém toda a informação existente na sequência de DNA do gene, de modo que possui não só as sequências de nucleotídeos que geram as proteínas (chamadas de éxons), mas também aquelas que são feitas de sequências não codificantes (chamadas de íntrons). Assim, antes do mRNA poder ser lido e traduzido para uma proteína, necessita ser liberado dessas partes que não contem informações úteis.
Após este passo, o mRNA maduro é conduzido para o citoplasma onde será ligado a um outro conjunto de proteínas, dentro dos ribossomos, dando início ao processo chamado de translação, que levará à produção do FGFR3.
Esta animação curta, mas muito interessante da revista Nature vai ajudar você a entender o processo de translação. Preste atenção nos últimos 20 segundos. As pequenas moléculas que se ligam ao mRNA no ribossomo trazem o aminoácido certo, de acordo com a sequência de nucleotídeos do mRNA. Você notou que eles se parecem com garfos de três pontas? Há uma razão para isso. Cada aminoácido é escolhido de acordo com grupos constituídos por três nucleotídeos, conhecidos como códons.
Na acondroplasia, uma alteração de um único nucleotídeo de um desses códons da cadeia do gene FGFR3 (localizado na posição 1138) provoca a mudança de um aminoácido na posição 380 da proteína FGFR3. Isso é suficiente para produzir as características clínicas da acondroplasia. Neste artigo anterior do blog há uma explicação mais detalhada da mutação que provoca a acondroplasia.
No entanto, a transcrição é um processo altamente controlado e alguns passos adicionais ocorrem antes do FGFR3 ser produzido e liberado para exercer suas ações. Um desses passos é realizado por um outro tipo de molécula de RNA, chamado micro-RNA, ou simplesmente miRNA. A ação principal dos miRNAs é de regular a expressão de proteínas e eles fazem isso ligando-se a seqüências específicas do mRNA, interferindo com e assim interrompendo a sua leitura no ribossomo e, consequentemente, a produção da proteína. (1) Supõe-se que a função do miRNA está relacionada com a manutenção do equilíbrio da expressão de proteínas que, em caso contrário, fossem produzidas continuamente, poderiam causar doenças. Existe pelo menos um miRNA já identificado cujo alvo natural é o FGFR3. (2)
Terapias potenciais para acondroplasia
Quando olhamos para as atuais potenciais estratégias de tratamento disponíveis publicamente para a acondroplasia, podemos concluir que todas são dirigidas contra o receptor depois que ele é produzido ou contra as reações químicas ligadas à atividade do FGFR3. Isso inclui os inibidores de tirosina quinase, CNP, PTH / PTHrP, aptâmeros, peptídeos, armadilhas de ligante e anticorpos. Com a possível exceção da hipótese ainda não comprovada de que a MK-4 pode inibir a produção de FGFR3 em condrócitos, nenhuma destas estratégias é dirigida contra a produção do FGFR3.
Mas, e se há alguém buscando isso? Algumas semanas atrás, durante uma pesquisa que realizei enquanto escrevia o artigo anterior do blog, sobre os aptâmeros, encontrei um registro de patente que imediatamente chamou minha atenção.
Interferindo com a produção do FGFR3
Em primeiro lugar, fatores de transcrição se ligam a determinados trechos do DNA antes do ponto onde o gene FGFR3 está localizado. Quando um fator de transcrição faz isso, outras proteínas nucleares locais são acionadas e formam um complexo que começará a “ler” a sequência do gene (transcrição) para produzir uma cadeia de RNA que espelha o que está escrito no DNA. Esta cadeia de RNA é chamada de pré RNA mensageiro, ou simplesmente pré-mRNA. Você pode assistir a esses vídeos de curta duração (animação 1 e animação 2, ambos em inglês) para ter uma idéia de como a transcrição funciona.
A cadeia de RNA criada no processo de transcrição contém toda a informação existente na sequência de DNA do gene, de modo que possui não só as sequências de nucleotídeos que geram as proteínas (chamadas de éxons), mas também aquelas que são feitas de sequências não codificantes (chamadas de íntrons). Assim, antes do mRNA poder ser lido e traduzido para uma proteína, necessita ser liberado dessas partes que não contem informações úteis.
Após este passo, o mRNA maduro é conduzido para o citoplasma onde será ligado a um outro conjunto de proteínas, dentro dos ribossomos, dando início ao processo chamado de translação, que levará à produção do FGFR3.
Esta animação curta, mas muito interessante da revista Nature vai ajudar você a entender o processo de translação. Preste atenção nos últimos 20 segundos. As pequenas moléculas que se ligam ao mRNA no ribossomo trazem o aminoácido certo, de acordo com a sequência de nucleotídeos do mRNA. Você notou que eles se parecem com garfos de três pontas? Há uma razão para isso. Cada aminoácido é escolhido de acordo com grupos constituídos por três nucleotídeos, conhecidos como códons.
Na acondroplasia, uma alteração de um único nucleotídeo de um desses códons da cadeia do gene FGFR3 (localizado na posição 1138) provoca a mudança de um aminoácido na posição 380 da proteína FGFR3. Isso é suficiente para produzir as características clínicas da acondroplasia. Neste artigo anterior do blog há uma explicação mais detalhada da mutação que provoca a acondroplasia.
No entanto, a transcrição é um processo altamente controlado e alguns passos adicionais ocorrem antes do FGFR3 ser produzido e liberado para exercer suas ações. Um desses passos é realizado por um outro tipo de molécula de RNA, chamado micro-RNA, ou simplesmente miRNA. A ação principal dos miRNAs é de regular a expressão de proteínas e eles fazem isso ligando-se a seqüências específicas do mRNA, interferindo com e assim interrompendo a sua leitura no ribossomo e, consequentemente, a produção da proteína. (1) Supõe-se que a função do miRNA está relacionada com a manutenção do equilíbrio da expressão de proteínas que, em caso contrário, fossem produzidas continuamente, poderiam causar doenças. Existe pelo menos um miRNA já identificado cujo alvo natural é o FGFR3. (2)
Terapias potenciais para acondroplasia
Quando olhamos para as atuais potenciais estratégias de tratamento disponíveis publicamente para a acondroplasia, podemos concluir que todas são dirigidas contra o receptor depois que ele é produzido ou contra as reações químicas ligadas à atividade do FGFR3. Isso inclui os inibidores de tirosina quinase, CNP, PTH / PTHrP, aptâmeros, peptídeos, armadilhas de ligante e anticorpos. Com a possível exceção da hipótese ainda não comprovada de que a MK-4 pode inibir a produção de FGFR3 em condrócitos, nenhuma destas estratégias é dirigida contra a produção do FGFR3.
Mas, e se há alguém buscando isso? Algumas semanas atrás, durante uma pesquisa que realizei enquanto escrevia o artigo anterior do blog, sobre os aptâmeros, encontrei um registro de patente que imediatamente chamou minha atenção.
Interferindo com a produção do FGFR3
Visitar o site da empresa foi um pouco frustrante, já que nada é mencionado em relação a estes compostos, mas a descrição da patente contém informações interessantes sobre os testes já realizados em modelos de câncer relacionados ao FGFR3, nos quais os compostos foram capazes de reduzir o crescimento do câncer.
Infelizmente, a patente, embora cite sete vezes a possibilidade de utilizar este invento como uma terapia para a acondroplasia, não mostra qualquer ensaio realizado em um modelo de acondroplasia. Como nada é divulgado, podemos pensar que isso parece mais um caso de uma terapia potencial à espera de ser explorada por um investigador interessado. O mesmo caso dos peptídeos, armadilhas de ligante e anticorpos que analisamos aqui nos últimos meses.
O uso de RNA de interferência contra o FGFR3 é possível e já foi realizado em alguns trabalhos, como no caso do estudo dos Drs. Guzman, Pintor e Legeai-Mallet. (3)
A boa notícia é que estamos assistindo a um número cada vez maior de opções terapêuticas tornando-se disponíveis para testes. Isso me faz pensar que, nas palavras de um importante investigador no campo da acondroplasia, é provável que no futuro próximo a questão não será se haverá uma terapia para a acondroplasia mas qual vamos escolher para tratar nossos filhos.
Glossário
- Aminoácidos: moléculas com várias propriedades químicas diferentes, que são combinadas em sequências variadas para gerar proteínas.
- Códon: conjuntos de três nucleotídeos que contêm as informações necessárias para identificar o aminoácido certo durante a montagem de proteínas. Uma troca de nucleotídeos na posição 1138 do gene FGFR3 leva à inserção do aminoácido errado na cadeia da proteína FGFR3 e provoca a acondroplasia.
- Condrócitos: as células dentro das cartilagens de crescimento, os mestres do crescimento ósseo. Na acondroplasia, devido à função excessiva do FGFR3 com a mutação G380R, eles são forçados a reduzir suas taxas de multiplicação e de maturação, o que por sua vez provoca uma perda significativa do crescimento do osso.
- Éxons e íntrons: éxons são as partes da sequência do gene que contém os códons que serão traduzidos nos aminoácidos para formar proteínas. Os íntrons são as partes do gene que não possuem códons.
(da Wikipedia) |
- Nucleotídeos: são as quatro moléculas básicas que, combinadas em seqüências de três (códons), irão codificar as informações necessárias para a produção das proteínas.
(de http://cs.boisestate.edu/~amit/teaching/342/lab/structure.html) |
- Receptor do fator de crescimento de fibroblastos tipo 3 (FGFR3): uma enzima responsável pelo controle da velocidade de proliferação e maturação de condrócitos, que trabalha como um freio natural. Quando está funcionando exageradamente devido a uma mutação ativadora, provoca redução do crescimento do osso. A acondroplasia, a causa mais comum de nanismo, é consequência de uma mutação ativadora do FGFR3.
- Transcrição: o processo através do qual um gene é lido e um RNA mensageiro é criado. É o primeiro passo principal para uma proteína ser produzida.
- Fatores de transcrição: proteínas capazes de identificar certas sequências de nucleotídeos no DNA para dar início a leitura do gene.
- Translação: este é o processo através do qual uma sequência de nucleotídeos presentes na cadeia do mRNA é traduzida para uma sequência de aminoácidos, criando uma nova proteína.
- Trechos do DNA antes do ponto de início do código do gene (upstream sites): eles significam sequências de nucleotídeos localizadas antes da sequência do gene. Existem pelo menos duas dessas regiões localizadas antes da sequência de genes, a promotora (promoter) e a potencializadora (enhancer) e elas são muito importantes para permitir a expressão do gene, como faróis para o complexo de proteínas que lerá o gene (ver texto).
2. Oneyama C et al. MicroRNA-mediated downregulation of mTOR/FGFR3 controls tumor
growth induced by Src-related oncogenic pathways. Oncogene 2011;30:3489–501.
3. Marina Biotech Patent WO 2011139842 A2. Nucleic acid compounds for inhibiting fgfr3 gene expression and uses
thereof. 2011.growth induced by Src-related oncogenic pathways. Oncogene 2011;30:3489–501.
4. Guzman-Aránguez A, Legeai‐Mallet L, Pintor J. Fibroblast growth factor receptor 3 inhibition by small interfering RNAs in achondroplasia. Anales Real Acad Nac Farm 2011; 77(1).
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