Sunday, September 8, 2013

Reaproveitamento de remédios antigos: existe oportunidade para a acondroplasia?

Remédios antigos, novos usos

Com o aumento exponencial da descoberta da base molecular das doenças, um número surpreendente de novos compostos visando agentes causadores tem sido projetados e/ou criados nas últimas décadas. No entanto, de milhares de moléculas testadas apenas uma pequena fração delas consegue chegar à fase de desenvolvimento clínico, muitos anos depois que elas foram identificadas em um laboratório. Mesmo entre esses novos compostos que atingem a pesquisa clínica apenas outra pequena fração consegue provar que funciona e é segura o suficiente para ser administrada a pacientes reais. Muitos desses compostos não darão resultados convincentes e serão abandonados. Você pode ler mais sobre descoberta e desenvolvimento de medicamentos neste artigo anterior do blog.

A taxa de fracassos é elevada e isso é considerado uma das razões pelas quais o custo médio de desenvolvimento de um único fármaco é agora estimado em mais de 1 bilhão de dólares.(1) Com esse alto desgaste em toda a indústria farmacêutica (altos custos versus baixa produtividade), novos programas foram projetados para ajudar a incrementar a descoberta e o desenvolvimento de medicamentos.

Reaproveitamento

Um dos programas que tem recebido maior atenção ultimamente é o de Resgate ou Reaproveitamento de drogas. (2,3) A estratégia é a de analisar os dados adquiridos a partir da pesquisa feita em drogas abandonadas ou velhas e identificar novos usos potenciais desses compostos em outras indicações clínicas que apresentem necessidades não atendidas, tais como no caso das doenças raras. Um bom exemplo de resgate de drogas é o AZT, um medicamento desenvolvido para tratar câncer, sem sucesso, que passou a ser a primeira droga para tratar a infecção pelo HIV. ( 4)

Várias iniciativas estão em curso agora para muitas doenças, especialmente aquelas que não possuem terapias eficazes disponíveis (por exemplo, Alzheimer). (5) Com uma única exceção, a da menatretenona, (MK-4, comentada aqui), até hoje nunca encontrei um único trabalho com drogas que poderiam ter como alvo a acondroplasia.

Quando eu revia o programa do 11 º Congresso da Sociedade Internacional de Displasias Esqueléticas (ISDS, International Skeletal Dysplasias Society) para preparar o artigo anterior do blog, sobre os últimos testes apresentados lá com o BMN-111, também identifiquei um estudo exatamente aproveitando-se da estratégia de reaproveitamento. O estudo realizado por Matsushita et al. (6) descreveu os testes realizados em culturas de células de condrócitos e explantes de osso que possuíam um receptor do fator de crescimento de fibroblasto tipo 3 (FGFR3) alterado e hiperativo, utilizando meclizina (ou meclozina), um anti-histamínico de baixo custo usado para tratar vertigem e enjôo de movimento. Eles descobriram que a meclizina inibiu uma das enzimas localizadas na cascata de sinalização do FGFR3, denominada external signal-regulated kinase (ERK, quinase regulada por sinal externo, em tradução livre). Tendo observado resultados positivos, concluíram o resumo do trabalho propondo o uso da meclizina para tratar a acondroplasia.

Meclizina para acondroplasia ?

O texto do resumo do estudo é prudente, mencionando apenas uma atenuação da sinalização do FGFR3. O quanto significa esta atenuação? Antes que alguém comece a pensar que a meclizina deve ser dada a crianças com acondroplasia, mais informações são necessárias, a fim de permitir um julgamento justo sobre a questão. Será bom saber se os investigadores testaram se alguma outra via de sinalização foi afetada pela inibição da ERK. A figura abaixo mostra as cascatas do FGFR3 relevantes na acondroplasia. A ERK está localizada vários estágios adiante na cadeia de reações químicas do FGFR3 e também responde a outros sinais originados por outros receptores.

Figura.



A meclizina pertence à família das piperazinas. Na verdade, não é completamente uma surpresa que as drogas desta família pudessem produzir efeitos na sinalização de enzimas receptoras tais como como o FGFR3: a estrutura do núcleo da piperazina já foi explorada para se produzir outras drogas, incluindo inibidores de enzimas receptoras ativas no câncer (ex.: imatinib).

No entanto, estas são notícias excelentes. Nós já falamos sobre o grande desafio para a acondroplasia ou para qualquer outra condição rara em artigos anteriores do blog. Em poucas palavras: o acesso à terapia.

Pense nisso: medicamentos para doenças raras costumam ser extremamente caros por várias razões, desde o custo de seu desenvolvimento (como descrito no início deste artigo) até o seu mercado limitado. De acordo com um resumo divulgado por Terrapinn - Total Biopharma, o mais caro é conhecido como Soliris (eculizumab), desenvolvido pela Alexion. Este é um tipo de anticorpo desenvolvido para tratar a hemoglobinúria paroxística noturna a um custo de 600 mil dólares americanos por pessoa, por ano. Recentemente, a agência Reuters também publicou um artigo mencionando uma terapia genética para uma outra doença rara chamada deficiência de lipase de lipoproteína que deveria custar mais de US$ 1 milhão por paciente. (7) 

Portanto, se uma droga de baixo custo, como a meclizina ou a menatetrenona, que já possuem perfil de segurança e toxicidade conhecidos, comprova que exerce efeitos contra a atividade excessiva de FGFR3 na acondroplasia, então o desafio do acesso seria resolvido: a disponibilização de tratamento adequado para todos aqueles que dele necessitam.

Vamos aguardar a publicação do trabalho completo de Matsushita e colaboradores para saber mais sobre o efeito da meclizina em condrócitos e também ver se eles progrediram em seus experimentos, testando modelos vivos de acondroplasia.

Referências

1. Paul SM et al. How to improve R&D productivity: the pharmaceutical industry’s grand 
challenge. Nat Rev Drug Discov 2010; 9 (3): 203-14.

2. National Centers for Advancing Translational Sciences (NCATS). Rescuing and Repurposing Drugs. Accessed on Sep 7, 2013.


3. Food and Drug Administration. A Valuable Resource for Drug Developers: The Rare Disease Repurposing Database (RDRD). Accessed on Sep 7, 2013.

4. Collins FS. Mining for therapeutic gold. Nature Rev Drug Discov 2011 (10):397.
 

5. Nalr P. Drug repurposing gets a boost as academic researchers join the search
for novel uses of existing drugs. PNAS 2013; 110 (7): 2430–2. (Free access)

6. Matsushita et al. Meclozine facilitates chondrocyte proliferation and differentiation by attenuating abnormally activated fibroblast growth factor receptor 3 (FGFR3) signaling in achondroplasia. Presented at the 11th International Skeletal Dysplasias Society Meeting, August 28-31, 2013, Bologna, Italy.

7. Hirschler B. Analysis: Entering the age of the $1 million medicineReuters, published on Jan 3, 2013. Accessed Sep 7 2013.

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