Em setembro deste ano, revisamos neste artigo anterior, o trabalho de Matsushita e colaboradores sobre o uso potencial da meclizina na acondroplasia, apresentado durante a última edição do congresso da International Skeletal Dysplasias Society (ISDS), realizado em Bolonha, Itália. (1) Agora, o trabalho completo acaba de ser publicado na revista PLoS ONE. (2)
No contexto da estratégia lançada recentemente de buscar o reposicionamento de drogas antigas que tem sido explorada por diversas instituições acadêmicas e indústrias (veja este artigo), o grupo de Matsushita identificou a meclizina de uma lista de mais de mil medicamentos aprovados pela FDA, como tendo uso potencial para a acondroplasia.(2)
Em resumo, a meclizina / meclozina é uma antiga medicação vendida sem receita, comumente usada para tratar enjoo de movimento. Ela está no mercado há mais de 50 anos e, por isso, tem um perfil de segurança bem conhecido. Os autores concluíram que a meclizina tem o potencial para ser usada na acondroplasia. Então, vamos olhar este trabalho.
A meclizina reduz os efeitos da sinalização do FGFR3
Como vimos no resumo apresentado no congresso da ISDS, os autores demonstraram em seus experimentos que a meclizina atenuou os efeitos da sinalização do receptor do fator de crescimento de fibroblastos 3 (FGFR3), melhorando assim o crescimento ósseo. Eles testaram os efeitos da meclizina em três diferentes tipos de células e também em explantes de osso de rato. Não foram feitos testes em animais vivos.
Todos os testes realizados mostraram que a meclizina reduziu a atividade da cascata enzimática mais relevante associada à sinalização do FGFR3 em condrócitos, a da proteíno-quinase ativada por mitógeno (mitogen-activated protein kinase, MAPK) (Figura 1*), a qual se pensa ser um fator chave causador da parada do crescimento ósseo vista na acondroplasia. Além disso, eles também tentaram identificar como a meclizina estaria atuando na cascata de MAPK e evidenciaram que o efeito inibitório ocorre ao nível da enzima ERK (Figura 1), embora eles não tenham conseguido explicar o exato mecanismo envolvido.
Figura 1. A cascata FGFR3-MAPK e o local potencial de ação da meclizina / meclozina
Matsushita M et al . (2013). PLoS ONE 8 (12): e81569. doi: 10.1371/journal.pone.0081569. Reproduzida aqui apenas para fins de ilustração. |
A figura acima também mostra o local de atuação de outras moléculas citadas no texto, tais como os inibidores de tirosina-quinase NF449 (3) e A31 (4) e o peptídeo P3 (5), compostos que já foram também mencionados ou analisados aqui no blog, bem como o modo de ação do peptídeo natriurético do tipo C (CNP).
Ossos expostos à meclizina e ao CNP crescem mais do que os não expostos
Matsushita et al. demonstraram que os ossos expostos à meclizina e ao CNP cresceram mais do que os controles correspondentes, não expostos (Figura 2). Observe as imagens que mostram o efeito de um dos ligantes do FGFR3, o FGF2, e os efeitos positivos do CNP e da meclizina sobre o crescimento do osso. Curiosamente, como também observado pelos autores, até mesmo ossos não expostos ao FGF2 cresceram mais com a meclizina.
Notavelmente, este estudo também fornece ainda mais evidências para o efeito positivo do CNP no crescimento ósseo.
Figura 2.
Existe um futuro para a meclizina na acondroplasia ?
Os autores afirmam que, dados os efeitos observados com a meclizina nas suas experiências, este composto pode ser utilizado sozinho ou em adição ao CNP para ajudar a resgatar o crescimento ósseo na acondroplasia. Eles reconhecem, tanto em seu artigo e também no comunicado à imprensa publicado para divulgar o seu trabalho (2,6) que, antes de se começar a dar meclizina para crianças, o seu perfil de segurança nessa faixa etária deve ser identificado em primeiro lugar, e que os efeitos da meclizina observados in vitro, devem ser explorados também em um modelo animal apropriado (in vivo) antes de chegar à clínica. (6)
Estas observações são importantes, pois atualmente, pelo menos nos EUA, a meclizina só é aprovada para pessoas com 12 anos de idade ou mais, já que não há informações suficientes sobre a sua utilização em crianças mais novas. Dado que a meclizina tem uma série de outros efeitos no organismo, uma avaliação completa sobre sua segurança em crianças mais jovens se justifica.
No comunicado à imprensa, os autores declaram que vão testar a meclizina em um modelo animal de acondroplasia e a seguir, uma vez comprovada a ação da droga in vivo, pretendem testá-la em crianças com acondroplasia. (6)
Concluindo
Apesar de promissora, antes de se pensar em começar a administrar a meclizina em crianças com acondroplasia, mais avaliações precisam ser feitas. Não é incomum que compostos com potencial para se tornarem medicamentos, identificados em experimentos in vitro, não consigam fazê-lo em modelos vivos. Para a acondroplasia, é fundamental ver como uma terapia potencial funcionará in vivo, porque a cartilagem da placa de crescimento pode ser uma barreira formidável para moléculas grandes.
Além disso, devemos lembrar que nenhuma droga é isenta de efeitos colaterais, e elas devem mostrar que têm um perfil de risco e segurança bem equilibrado, especialmente se se supõe que será fornecida por muitos anos a um corpo em desenvolvimento.
Como nota final, a potencial disponibilização de medicamentos de fácil acesso para o tratamento de condições raras como a acondroplasia abre uma nova perspectiva para pacientes e governos sobre o desenvolvimento de medicações. Um dos maiores desafios atuais para viabilizar tratamento para portadores de condições raras é exatamente o altíssimo custo a que as novas drogas podem alcançar (revisto aqui).
* Esclarecimento: As figuras apresentadas neste artigo provêm do artigo original de Matsushita et al, publicado no site da revista PLoS ONE, e estão disponibilizadas gratuitamente pelos seus editores. Elas são reproduzidas aqui com o único propósito de ilustração e a fonte é devidamente citada.
Referências
1. Matsushita et al. Meclozine facilitates chondrocyte proliferation and differentiation by attenuating abnormally activated fibroblast growth factor receptor 3 (FGFR3) signaling in achondroplasia. Presented at the 11th International Skeletal Dysplasias Society Meeting, August 28-31, 2013, Bologna, Italy.
2. Matsushita M et al. Meclozine facilitates proliferation and differentiation of chondrocytes by attenuating abnormally activated FGFR3 signaling in achondroplasia. PLoS ONE 2013 8(12): e81569. doi:10.1371/journal.pone.0081569. Acesso livre.
3. Jonquoy A et al. A novel tyrosine kinase inhibitor restores chondrocyte differentiation and promotes bone growth in a gain-of-function Fgfr3 mouse model. Hum Mol Genet 2012;21(4):841-51. doi: 10.1093/hmg/ddr514. Acesso livre.
4. Krejci P et al. NF449 is a novel inhibitor of fibroblast growth factor receptor 3 (FGFR3) signaling active in chondrocytes and multiple myeloma cells. J Biol Chem. 2010; 285(27): 20644-53. Acesso livre.
5. Jin M et al. A novel FGFR3-binding peptide inhibits FGFR3 signaling and reverses the lethal phenotype of mice mimicking human thanatophoric dysplasia. Hum Mol Genet 2012; 21(26): 5443-55.
6. Press Release. Nagoya University Graduate School of Medicine. 2013.12.05 Drug repositioning of an OTC drug for motion sickness, Meclozine, for short stature patients.
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