Sunday, December 1, 2013

Peptídeos natriuréticos para a acondroplasia: o que há de novo?



CNP para a acondroplasia

Um análogo do peptídeo natriurético tipo C (CNP) (BMN-111) está em vias de progredir para a fase 2 do seu desenvolvimento clínico, para provar que poderia ser útil ao tratamento da acondroplasia, a causa mais comum de nanismo desproporcional. Esta é a primeira abordagem farmacológica para o tratamento da interrupção do crescimento ósseo produzido pelo excesso de atividade do receptor de fator de crescimento de fibroblastos 3 (FGFR3) na cartilagem da placa de crescimento a atingir este marco. Com isso, pode se transformar na primeira solução para melhorar a saúde das crianças afetadas pela mutação no FGFR3, reduzindo complicações clínicas decorrentes do limitado crescimento ósseo visto na acondroplasia (comentado aqui).


No entanto, o BMN -111 não está sozinho. Mais recentemente, outros peptídeos natriuréticos, relacionado ou não ao CNP, foram explorados em alguns estudos. Por exemplo, em um artigo publicado no início deste ano, os pesquisadores trabalharam com uma molécula fusionada chamada de NC- 2, feita com a parte ativa do CNP e a parte básica de um anticorpo. Nas suas experiências com um modelo de ratos semelhante ao da acondroplasia, eles descobriram que o crescimento do osso foi restaurado quando havia exposição ao NF - 2 (1; comentado aqui).


Agora, o trabalho de um outro investigador profundamente envolvido na pesquisa de peptídeos natriuréticos parece trazer mais opções possíveis para o tratamento de acondroplasia. Mas, antes de começar a falar da patente submetida pelo Dr. David Vesely, vamos fazer uma breve revisão da família dos peptídeos natriuréticos.

A família dos peptídeos natriuréticos


A família de peptídeos natriuréticos é composta por pequenas moléculas feitas de cadeias curtas de aminoácidos e com estruturas semelhantes. Os mais conhecidos deles são o peptídeo natriurético atrial (ANP), o peptídeo natriurético tipo B ou cerebral (BNP) e o CNP (figura 1) e que, por sua vez, são produtos de três genes, o NPPA, o NNPB e o NPPC, respectivamente. No entanto, a família NP tem outros companheiros, alguns que não compartilham a típica estrutura de anel. (2,3)


Figura 1. Os principais peptídeos natriuréticos

A: As sequências e estruturas do peptídeo natriurético atrial (ANP) , peptídeo natriurético tipo B (BNP), peptídeo natriurético tipo C (CNP), o peptídeo natriurético ventricular (VNP) e peptídeo natriurético Dendroaspis (DNP). O anel  de 17 aminoácidos está indicado. B: Representação esquemática dos passos de processamento envolvidos na geração de formas circulantes do ANP, BNP e CNP a partir de seus precursores. Modificado de Takei e Hirose, 2002 e McGrath e de Negrito, 2005. Fonte: Tota B et al. 2010.
Proteínas e peptídeos

Em artigos anteriores neste blog nós analisamos a forma como as proteínas são criadas, através dos dois fenômenos chamados de transcrição e translação. Basicamente, um fragmento de DNA contendo um gene é "lido" e transcrito (transcrição) para uma cadeia de RNA (RNA mensageiro, mRNA) no interior do núcleo da célula. Este mRNA é transferido para o citoplasma da célula e é lido e traduzido (translação) em uma cadeia de aminoácidos, para gerar uma nova proteína ou peptídeo. Ambas as proteínas e peptídeos são feitos de aminoácidos, e a principal diferença entre eles é o número de aminoácidos que contém. A proteína também pode ser chamada de polipeptídeo. Para saber mais sobre transcrição e translação, você pode visitar este artigo anterior do blog.

 

O ANP e seus irmãos

Não é surpresa, porém, que as coisas não sejam tão simples quando se trata de bioquímica. Às vezes, A não se transforma simplesmente em B como descrito acima. Cientistas estão descobrindo que, em um número crescente de casos, um gene pode ter informações para gerar mais de um produto. Existem genes que apresentam códigos para, por exemplo, gerar uma proteína e tipos específicos de RNAs não ligados ao processo de transcrição, chamados de RNAs não codificantes. E existem outros genes, dos quais o mRNA irá dar origem a mais do que um polipeptídeo, ou a vários peptídeos. Por vezes, o polipeptídeo resultante da tradução pode sofrer outro processo em que a molécula é clivada (cortada) em outras menores. Isto é exatamente o que ocorre com o produto da transcrição e translação do gene NPPA. O polipeptídeo resultante da leitura do gene NPPA é a fonte de quatro peptídeos ativos diferentes, sendo o ANP o mais conhecido. (3)

Pesquisadores identificaram que o gene NPPA dá origem não só ao ANP, mas também aos seguintes peptídeos: peptídeo natriurético de longa ação (LANP), vaso dilatador (VD, em inglês vessel dilator) e peptídeo kaliurético. Como eles são expressos (produzidos) principalmente em células do músculo cardíaco, têm sido chamados de peptídeos ou hormônios cardíacos. Todos eles têm efeitos semelhantes sobre a vasculatura, com mais ou menos potência em causar vasodilatação e/ou diurese, entre outros efeitos relevantes na hemodinâmica. (3)

 

Peptídeos cardíacos contra o câncer
 

No entanto, estes peptídeos têm chamado a atenção para vários outros efeitos em outras áreas além da cardiologia. O grupo do Dr. Vesely tem explorado os efeitos destes peptídeos, e especialmente o VD, em diversas formas de câncer, mostrando que eles têm a capacidade de inibir intensamente o crescimento e de induzir fortemente a morte de células cancerosas. (4)
 

Então, como poderiam pequenos peptídeos como o VD serem úteis para o tratamento do câncer?
 

Você deve se lembrar, a partir de outros artigos relacionados com o CNP deste blog, que, na acondroplasia, o CNP é um jogador com efeitos positivos no crescimento ósseo, estimulando uma cadeia de enzimas que cruza com a principal via de sinalização usada pelo FGFR3 mutante (Figura 2).

Em resumo, o FGFR3 usa pelo menos três vias de sinalização para exercer seus efeitos nos condrócitos, mas parece que a mais importante é a da proteína quinase ativada por mitógeno (MAPK).(5) A cascata MAPK é também um dos mecanismos mais importantes através do qual a maioria das células cancerígenas é capaz de multiplicar-se e sobreviver. A sinalização do CNP cruza com uma das enzimas desencadeadoras da via MAPK, reduzindo ou inibindo a atividade da MAPK. Esta ação parece explicar o efeito positivo do análogo do CNP, BMN–111, no crescimento ósseo.

 

Os condrócitos, as células centrais da placa de crescimento, mestres do crescimento ósseo, são únicos, porque os efeitos da via MAPK em sua fisiologia é inverso ao que acontece em todas as outras células. Em outras palavras, com exceção dos condrócitos da placa de crescimento, as enzimas MAPK disparam o crescimento em todos os outros tipos de células, incluindo as células cancerígenas. (6)*
 

Figura 2 . Vias de sinalização do FGFR3 e do CNP.


O trabalho realizado pelo grupo do Dr. Vesely (4) vem demonstrando que os peptídeos cardíacos também podem inibir a MAPK em células cancerosas, utilizando o mesmo mecanismo usado pelo CNP para inibir a MAPK nos condrócitos da placa de crescimento. Assim, se o VD exerce os seus efeitos no câncer da mesma maneira que o CNP causa seus efeitos na acondroplasia, então poderia o VD ser usado para tratar a acondroplasia?
 
Vessel Dilator (VD, Vasodilatador) para a acondroplasia ?

Este ano, o Dr. Vesely submeteu uma patente (7) na qual defende que o VD poderia ser uma opção para o tratamento de acondroplasia. O surgimento de novas estratégias para o tratamento de qualquer condição é uma perspectiva maravilhosa. No entanto, há várias perguntas que precisam de respostas para permitir uma boa avaliação sobre o potencial deste peptídeo ser usado para resgatar o crescimento ósseo na acondroplasia. Por exemplo, apesar do VD e os outros peptídeos cardíacos terem sido descobertos décadas atrás, até o momento não parece que seus receptores celulares específicos tenham sido claramente identificados, embora haja evidência de que eles existem. (3) Por que isso é importante?

 

Atualmente, um dos requisitos para qualquer novo composto candidato a medicação, é ter o(s) seu(s) mecanismo (s) de ação elucidado(s). Ao compreender, desde o início, como uma determinada molécula funciona, os cientistas podem fazer melhores previsões sobre sua eficácia e segurança.
 

O documento de patente descreve os resultados de um estudo interessante que explorou os efeitos in vitro do VD e do CNP em osteoblastos (as principais células no tecido ósseo, responsáveis pela construção dos ossos) (8). No entanto, não menciona se existem outros estudos que exploram os efeitos do VD nos condrócitos ou em outras células que comportam o FGFR3 mutante, ou em modelos da placa de crescimento, ou em ensaios in vivo em modelos animais de acondroplasia. A proposta de usar o VD para o tratamento de displasias esqueléticas é extrapolada dos seus mecanismos de ação já conhecidos em outras células.
 
Concluindo

Penso que há evidências já publicadas que poderiam apontar o VD como uma estratégia terapêutica potencial para a acondroplasia. No entanto, há necessidade de informações mais específicas sobre como ele age, ou agiria, em condrócitos, tanto in vitro como in vivo. Será também importante entender como o VD poderia ser usado em longo prazo em crianças em crescimento, dados os seus efeitos conhecidos na hemodinâmica, uma questão que não parece ser de importância crítica para o CNP.

Reconhecimento: A figura 1 mostrada neste artigo foi obtida através de uma pesquisa simples no Google Images, de conteúdo disponível gratuitamente, de acordo com o respectivo editor. É reproduzida aqui somente para fins de ilustração e sua fonte foi devidamente citada.

Referências

1. Ono K et al. The Ras-GTPase activity of neurofibromin restrains ERK-dependent FGFR signaling during endochondral bone formation. Hum Mol Genet 2013; 22(15): 3048–62.

2. Tota B et al. Catecholamines, cardiac natriuretic peptides and chromogranin A: evolution and physiopathology of a ‘whip-brake’ system of the endocrine heart.  J Exp Biol 2010; 213:3081-103. Acesso livre.

3.
Vesely DL. Natriuretic hormones. In: Alpern RJ, Moe OW, Caplan M, editors. Seldin and Giebisch’s, The Kidney: Physiology and Pathophysiology. 5th edition. Elsevier/North - Holland Biomedical Press; Amsterdam: 2013. pp. 1241–1281.

4. Vesely DL. Cardiac hormones for the treatment of cancer. Endocr Relat Cancer 2013;20(3):R113-25.
Acesso livre.

5. Horton W. Molecular pathogenesis of achondroplasia. GGH 2006; 22 (4): 49-54.
Acesso livre.

6. Krejci P. The paradox of FGFR3 signaling in skeletal dysplasia: why chondrocytes growth arrest while other cells over proliferate. Mut Res 2013; http://dx.doi.org/10.1016/j.mrrev.2013.11.001. * A referência 6 foi adicionada a este artigo em 2 de dezembro. Ela fornece evidência para a respectiva afirmação que aparece neste texto e foi disponibilizada pelo editor da publicação em 1º de dezembro.

7. Vesely DL. Method of treating skeletal dysplasias using vessel dilator. Patent US 20130096061 A1. April 18th, 2013. Acesso livre.
 
8. Lenz A et al. Vessel dilator and C-type natriuretic peptide enhance the proliferation of human osteoblasts. Pediatr Res 2010; 68(5):405-8. Acesso livre.

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