Ossos em crescimento
Nas últimas quatro reuniões públicas, ao falar sobre o programa do BMN-111 para a acondroplasia, a Biomarin mencionou frequentemente dois temas importantes: velocidade de crescimento e o fenômeno do crescimento de recuperação (catch up growth). Para o estudo de fase 2, a mudança na velocidade de crescimento tem sido considerada o principal desfecho de eficácia, embora eles também estejam acompanhando vários outros parâmetros, tais como mudanças na desproporcionalidade. A Biomarin refere que a velocidade média de crescimento em crianças pré-púberes é de 6cm/ano e que em crianças com acondroplasia esta média é de 4 cm/ano. A expectativa é que, como um efeito da terapia com o BMN-111, a velocidade de crescimento nas crianças que participaram no estudo atinja o "normal" médio ou, em outras palavras, que a velocidade de crescimento poderia aumentar em cerca de 50%. Uma taxa de crescimento mais elevada do que estes 50% seria considerada crescimento de recuperação porque iria superar a taxa de velocidade de crescimento normal.
Teoricamente, o crescimento de recuperação ocorre como uma resposta do programa de crescimento natural quando a razão para a restrição do crescimento é corrigida(1,2).
A causa mais comum de retardo do crescimento é a desnutrição e crescimento de recuperação ocorre em crianças e animais desnutridos que recebem nutrição adequada (Figura 1) (1). Ele é traduzido em uma fase de crescimento acelerado até que a criança atinja o limiar individual ditado por seu programa de crescimento genético e idade. Em seguida, o ritmo de crescimento retorna ao normal.
Figura 1. O fenômeno do crescimento de recuperação em ratos
Como poderia ser explicado o crescimento de recuperação na acondroplasia?
A causa da acondroplasia é uma mutação em uma enzima chamada receptor de fator de crescimento de fibroblastos 3 (FGFR3), que faz com que seja mais ativa do que o normal. O FGFR3 desempenha um papel muito importante no programa de crescimento natural, agindo como um freio para os condrócitos na placa de crescimento. Devido à mutação, o freio funciona excessivamente, prejudicando o crescimento normal do osso. O FGFR3 exerce as suas ações através de várias cadeias de reações químicas produzidas por outras enzimas clientes dentro do condrócito e uma delas, chamada MAPK, parece ser a principal dessas cadeias super ativas na acondroplasia.
O BMN-111 é um análogo de um peptídeo humano natural chamado de peptídeo natriurético tipo C (CNP). O CNP tem a sua própria via química celular e funciona reduzindo a atividade da MAPK (Figura 2) nos condrócitos. Estudos têm mostrado que o BMN-111 funciona da mesma forma (veja este artigo do blog) (3). É justo dizer que o FGFR3 e o CNP têm papéis antagônicos nos condrócitos da placa de crescimento.
Afinal de contas, como seria este crescimento de recuperação?
Neste exercício, vamos dar ao FGFR3 normal um valor para o seu nível de atividade. Digamos que, em condições normais, o FGFR3 teria um nível 5 de atividade e que, na acondroplasia, seu nível de atividade é de 7 (lembre-se, ele está trabalhando mais do que o esperado). Neste cenário, se o CNP ou seu análogo fosse capaz de levar o FGFR3 de volta ao nível 5, então poderíamos normalizar a velocidade de crescimento. Já que o FGFR3 mutante é o único motivo para o retardo do crescimento na acondroplasia, a normalização da sua atividade poderia proporcionar as condições para o crescimento de recuperação.
O BMN-111 foi estudado em dois modelos animais diferentes de mutações do FGFR3. O primeiro foi um modelo leve, em que o uso de BMN-111 resgatou o crescimento ósseo virtualmente ao normal (3). O segundo modelo era bem mais afetado, com uma mutação semelhante a da que causa a displasia tanatofórica (TD) em humanos (4). Neste modelo semelhante a TD a terapia com o BMN-111 produziu uma melhoria significativa no crescimento ósseo, mas não pôde resgatar o defeito completamente. Em uma analogia, poderíamos dizer que o nível de atividade do FGFR3 foi de 7 no primeiro estudo e 9 no segundo. Com o BMN-111 o FGFR3 do primeiro modelo pode ter sido levado a um nível normal de atividade e no segundo modelo ainda haveria super atividade do FGFR3, apesar da terapia.
Figura 2. Interação do CNP e do FGFR3.
Com base no cenário acima, pode-se especular que o crescimento de recuperação poderia ocorrer nos participantes do estudo de fase 2 se o BMN-111 estivesse funcionando em uma intensidade suficiente para reduzir o excesso de atividade da MAPK, restaurando-a a níveis normais.
O FGFR3 influencia uma série de outros agentes que atuam no programa de crescimento ósseo e vários deles através da ação da MAPK. No entanto, o defeito na acondroplasia é único: nenhum outro agente tem problemas. Reforçando o que acabei de mencionar acima, creio que na acondroplasia o programa de crescimento (que engloba dezenas desses agentes) está funcionando normalmente e o FGFR3 seria a única razão para a restrição de crescimento. Bem, se a atividade do FGFR3 estiver sob controle, o programa poderia retomar o seu ritmo natural. Isto poderia incluir uma fase de resgate para recuperar o retardo do crescimento.
A Biomarin vem anunciando que os resultados do estudo de fase 2 serão divulgados em junho. Mais alguns dias apenas, e vamos ver ...
Sugestões
Neste artigo, abordei muito rapidamente a biologia da acondroplasia. No blog há outros artigos em que os aspectos técnicos são abordados de forma mais completa e com mais explicações, para facilitar a compreensão da acondroplasia. Para saber mais sobre o CNP e o BMN-111 você pode visitar uma das páginas de índice (escolha sua língua) no topo desta página. Você vai encontrar vários outros artigos de revisão sobre o CNP e seus análogos. Há também referências valiosas na página de Referências.
Finalmente, ontem (27 de Maio), o grupo japonês liderado por Kazua Nakao publicou um novo estudo convincente dissecando a relevância do CNP para o crescimento ósseo. O artigo é de acesso livre (5).
References
1. Gat-Yablonski G and Phillip M. Nutritionally-Induced Catch-Up rowth. Nutrients 2015; 7(1):517-51; doi:10.3390/nu7010517. Free access.
2. Lui JC et al. Growth plate senescence and catch-up growth. in Cartilage and bone development and its disorders. Camacho- Hübner C, Nilsson O, Sävendahl L (eds):
Endocr Dev. Basel, Karger, 2011, vol 21, pp 23–29. Free access.
3. Wendt DJ et al. Neutral endopeptidase-resistant C-type natriuretic Peptide variant represents a new therapeutic approach for treatment of fibroblast growth factor receptor 3-related dwarfism. J Pharmacol Exp Ther 2015;353(1):132-49. Free access.
4. Lorget F et al. Evaluation of the therapeutic potential of a CNP analog in a Fgfr3 mouse modelrecapitulating achondroplasia. Am J Hum Genet 2012;91(6):1108-14. Free access.
5. Nakao K et al. The local CNP/GC-B system in growth plate is responsible for physiological endochondral bone growth. Sci Rep 2015 May 27;5:10554. doi: 10.1038/srep10554. Free access.
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