Wednesday, March 14, 2018

Tratando a acondroplasia: perguntas frequentes sobre tratamento

Disclaimer

É importante que todos saibam que não tenho vínculo empregatício ou recebo qualquer remuneração ou incentivo de nenhuma empresa que pesquisa medicamentos ou tratamentos para a acondroplasia. O que escrevo é baseado no conhecimento adquirido a partir da literatura científica e nas informações publicadas pelas respectivas empresas. 


Introdução

Tenho recebido muitas perguntas sobre como anda a pesquisa para tratamentos da acondroplasia e mais especificamente sobre o vosoritide. Como o tema do tratamento é relevante para muitos, pensei que seria útil compartilhar meu conhecimento com todos, no formato de perguntas e respostas.


Toda informação sobre produtos presente neste texto é de domínio público e referenciada. Onde não há referência bibliográfica o texto reflete minha opinião pessoal. 

Visite a página de índice para aprender mais sobre os temas abordados aqui. O blog contem muitas revisões sobre a acondroplasia e sobre basicamente todos os potenciais tratamentos já publicados na literatura científica até agora.


  • O que é o vosoritide?
Vosoritide, também conhecido como BMN-111, é uma cópia melhorada de uma substância produzida naturalmente pelo corpo humano, chamada de peptídeo natriurético tipo C (CNP) (1). O CNP é uma das substâncias que regulam positivamente o crescimento dos ossos, O vosoritide faz exatamente o que o CNP faz: estimula o crescimento dos ossos.
 

  • Por que usar o CNP ou o vosoritide na acondroplasia?
As pesquisas mostraram que o CNP reduz a atividade do FGFR3, a proteína que sofreu mutação na acondroplasia. O FGFR3 também é um regulador do crescimento dos ossos, mas funciona naturalmente como freio. No entanto, com a mutação, o FGFR3 fica tão ativo que impede o crescimento normal dos ossos. A função natural do CNP (e por semelhança, do vosoritide) é de reduzir a ação do FGFR3, isto é, ele solta o freio. Outro aspecto importante da ação do FGFR3 mutante é que ele reduz também a quantidade de CNP presente na cartilagem de crescimento. Por isso, fornecer CNP ou derivados do CNP auxilia no crescimento dos ossos na acondroplasia (2-6).


  • Qual é o risco de usar CNP ou vosoritide nas crianças com acondroplasia?
Em estudos em animais, o CNP e o vosoritide mostraram um bom perfil de segurança (3). O CNP pertence a uma família de substâncias que interfere com a pressão arterial. É esperado que a aplicação do CNP tenha efeito negativo na pressão arterial. De fato, todos os estudos ou reportes em seres humanos publicados sobre o vosoritide até o momento indicam que há uma leve queda da pressão arterial após sua aplicação. Esta redução é considerada leve e transitória e raramente foi acompanhada de qualquer sintoma. Até o momento, não há qualquer outro efeito adverso relevante publicado sobre o vosoritide (7).
 

  • Qual é o risco de usar vosoritide em longo prazo?
O CNP, e por consequência suas cópias, têm tempo de ação muito curto e não acumulam no organismo. Essas substâncias são rapidamente eliminadas pelo corpo. Dessa forma, além de não estar produzindo problemas de curto prazo, não se espera que produzam efeitos tóxicos de longo prazo. No entanto, somente o tempo poderá confirmar se de fato não há consequências indesejáveis com o uso da medicação em longo prazo.

  • O que esperar do tratamento com o vosoritide?
Se o vosoritide funcionar como se espera, ele promoverá mais crescimento dos ossos do corpo. Além de uma provável estatura final maior, com os ossos do membros mais longos, estima-se que o tratamento poderia reduzir o grande número de complicações ortopédicas e neurológicas associadas à acondroplasia. Nós só poderemos saber sobre isso no futuro, conforme as crianças em tratamento atinjam a idade adulta. 


  • O vosoritide realmente funciona?
Conforme os resultados dos testes publicados até agora, o vosoritide foi capaz de aumentar a velocidade de crescimento dos ossos em cerca de 40 a 50%, em média, nas crianças tratadas (8). Isto aproxima a velocidade crescimento das crianças tratadas à de crianças não afetadas pela mutação. Somente com o tempo saberemos se ele manterá esse ritmo em longo prazo.


  • Quem se beneficiará com o uso do vosoritide (ou de qualquer tratamento para acondroplasia)?
Somente indivíduos que ainda tenham as placas de crescimento dos ossos "abertas" podem se beneficiar com medicamentos que estimulam o crescimento. As placas de crescimento são pequenas estruturas especializadas presentes nas extremidades dos ossos longos. Elas são as responsáveis pelo alongamento dos ossos. É exatamente nas placas de crescimento que o FGFR3 e o CNP atuam.

As placas de crescimento se fecham ao final da puberdade, representando o fim do período de crescimento do corpo. Infelizmente, o CNP, o vosoritide ou qualquer outro tratamento que vise bloquear a ação do FGFR3 deixarão de ser úteis quando o indivíduo atingir a idade adulta.

  • Quando se deve iniciar o tratamento com vosoritide (ou qualquer outra medicação que venha a ser aprovada para o tratamento da acondroplasia)?
Uma vez que os efeitos da mutação do FGFR3 começam ainda dentro do útero, parece essencial que o tratamento seja iniciado o mais cedo possível, provavelmente logo após o nascimento. Crescimento é um fenômeno natural com data de expiração, como vimos acima. É provável que quanto maior o tempo de tratamento melhor será o resultado final quando o indivíduo chegar a idade adulta.


  • Quanto ao vosoritide, quando estará disponível?
O vosoritide ainda está em testes clínicos para confirmar sua eficácia e segurança. Esses testes são mandatórios e controlados pelas agências que regulam medicamentos (no Brasil, a agência é a ANVISA). 

O vosoritide está sendo testado em um estudo de fase 3, e os resultados desse estudo servirão para que o laboratório que o está desenvolvendo possa obter a licença para comercializá-lo, caso seja bem sucedido nos testes. A previsão atual do laboratório é de que os resultados do estudo de fase 3 estejam disponíveis no segundo semestre de 2019, para serem apresentados ao FDA (a ANVISA americana) (9). Com base nessa previsão, se for aprovado, poderá estar disponível nos Estados Unidos no início de 2020. A disponibilidade em outros países dependerá da estratégia do laboratório que desenvolve a medicação e da velocidade de trabalho das agências regulatórias desses outros países.

  • Quais são os outros medicamentos que estão sendo pesquisados?
 Existem várias outras iniciativas para identificar e testar potenciais tratamentos para a acondroplasia. Uma lista com todos essas iniciativas pode ser encontrada aqui. Algumas dessas iniciativas podem chegar à fase de desenvolvimento clínico no futuro próximo.

Por exemplo, o desenvolvedor da molécula conhecida como TA-46 anunciou em fevereiro de 2018 que pretende iniciar o estudo de fase 1 em breve (10). Outra empresa que está desenvolvendo uma nova forma de CNP conhecida como TransCon-CNP também pretende solicitar autorização para iniciar estudos clínicos em breve (11). Como consequência de um estudo em um modelo animal de acondroplasia no qual mostrou resultados promissores, uma empresa foi criada para continuar o desenvolvimento da molécula NVP-BGJ398 (12,13). 

Esses são somente alguns exemplos, há outras iniciativas em andamento, mas creio que essas são as mais promissoras no momento.Todas essas iniciativas ainda estão distantes da farmácia, mas algumas delas, se bem sucedidas, poderiam estar disponíveis em cerca de 4-5 anos.

Espero que essa pequena revisão tenha ajuda a esclarecer algumas dúvidas. O blog Tratando a Acondroplasia está ativo. Novos artigos serão publicados sempre que surgir algum tema que possa interessar aos leitores.


Referências


1. Wendt DJ et al. Neutral endopeptidase-resistant C-type natriuretic peptide variant represents a new therapeutic approach for treatment of fibroblast growth factor receptor 3-related dwarfism. J Pharmacol Exp Ther 2015; 353(1):132-49. Free access. 

2. Krejci P et al. Interaction of fibroblast growth factor and C-natriuretic peptide signaling in regulation of chondrocyte proliferation and extracellular matrix homeostasis. J Cell Sci 2006; 118: 5089-00. 

3. Lorget F et al. Evaluation of the therapeutic potential of a CNP analog in a Fgfr3 mouse model recapitulating achondroplasia. Am J Hum Genet 2012;91(6):1108-14. 

4. Nakao K et al. Impact of local CNP/GC-B system in growth plates on endochondral bone growth. Pharmacol Toxicol 2013; 14 (Suppl 1):48. 

5.Yasoda A et al. Systemic Administration of C-Type Natriuretic Peptide as a Novel Therapeutic Strategy for Skeletal Dysplasias. Endocrinology 2009;150: 3138–44.

6.Yasoda A and Nakao K. Translational research of C-type natriuretic peptide (CNP) into skeletal dysplasias. Endocrine J 2010; 57 (8): 659- 66.

7. Hoover-Fong J et al. Vosoritide in children with achondroplasia: Updated results from an ongoing Phase 2, open-label, sequential cohort, dose-escalation study. Abstract presented at the American Society of Human Genetics Meeting 2016, Vancouver. Meeting Abstract book p. 1301. Free access.

8. Biomarin R&D Day 2017 presentation. 

9. Biomarin press release. BioMarin Announces Fourth Quarter and Full Year 2017 Financial Results.  

10. Therachon Feb 14, 2018.Therachon Announces Dosing of First Subject in Phase 1 Clinical Trial Evaluating TA-46, a Novel Investigational Therapy for the Potential Treatment of Achondroplasia.

11. Ascendis Pharma. TransCon-CNP. 

12. Komla-Ebri Det al. Tyrosine kinase inhibitor NVP-BGJ398 functionally improves FGFR3-related dwarfism in mouse model. J Clin Invest 2016;126(5):1871-84. Free access.

13. FiercePharma Jan 30, 2018. BridgeBio’s QED Therapeutics picks up discarded Novartis cancer drug.


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