O blog Tratando a Acondroplasia está comemorando sete anos online. O blog recebeu mais de 350 mil visitas até agora e espero que esteja sendo útil para os visitantes. Ele foi criado para compartilhar conhecimento e capacitar os interessados em conduzir as mudanças que precisamos para a acondroplasia.
Não posso deixar de me sentir espantado com todo o progresso que vi desde que publiquei o primeiro artigo aqui. O número anual de publicações científicas sobre acondroplasia não aumentou realmente nos últimos dez ou quinze anos (apenas um pouco, como vemos no Pubmed; Figura 1), mas o escopo das publicações mudou claramente ao longo dos anos.
Figura 1. Número de publicações/ano sobre a acondroplasia.
Informações fornecidas pelo Pubmed, baseadas na busca pelo termo "acondroplasia". |
Por exemplo, um número significativo de estudos nos ajudou a entender melhor os mecanismos moleculares subjacentes à mutação do FGFR3 que leva à acondroplasia. Novos gráficos de crescimento (Argentina, Austrália, Europa, EUA) foram disponibilizados para ajudar pais e profissionais de saúde a acompanhar o desenvolvimento de crianças afetadas. Diversos outros trabalhos foram publicados sobre marcos de desenvolvimento infantil, e também enfocando o manejo de complicações médicas, incluindo aspectos cirúrgicos, desde lidar com estenose espinhal e arqueamento das pernas até as técnicas de alongamento de membros. Também vemos que a qualidade de vida e o diagnóstico precoce têm recebido mais atenção ultimamente. Embora esteja claro que a pesquisa para terapias específicas também cresceu, o número delas ainda é relativamente baixo. Terapias para a acondroplasia podem certamente ser úteis para outras displasias, mas o risco de desenvolvê-las é alto, então ...
A maçã fácil de colher
O risco é alto. Isso me faz lembrar de uma passagem da minha própria curva de desenvolvimento. Lá atrás, em 2009, durante uma visita a um dos maiores especialistas mundiais em sinalização química dos FGFRs e o inventor de um dos primeiros inibidores de tirosina quinase, no coração de uma das mais renomadas universidades americanas,eu o ouvi dizer que a pesquisa de terapias para desordens genéticas como a acondroplasia era escassa porque era muito arriscada. Ele disse que as grandes empresas não focavam em doenças raras, onde o terreno ainda estava por ser mapeado. Em vez disso, prefeririam dirigir em estradas pavimentadas, assumindo menos riscos em seus empreendimentos (colhendo as frutas ao alcance de seus braços). Lidar com condições raras era uma espécie de empreendimento reservado para pequenas empresas de biotecnologia (ainda é, de fato!). Você pode imaginar como eu estava me sentindo quando saí daquela reunião. Uma certa combinação de sentimento de privilégio de ter falado e aprendido com aquele mestre e ao mesmo tempo atingido por esse conceito desanimador que ele me descreveu. Sim, eu já estava na indústria farmacêutica, mas ainda tinha um coração acadêmico. O que ele disse foi uma espécie de revelação para mim.
Logo após o encontro, viajei a Boston para o Congresso Internacional de Displasias Esqueléticas, uma oportunidade maravilhosa de conhecer especialistas de todo o mundo. A acondroplasia que eu conhecia até então era em grande parte a descrita na literatura e em minha pouca experiência anterior em atender alguns pacientes afetados ao longo dos anos. Conversar com cientistas e médicos entusiasmados e assistir a suas apresentações me deu novas perspectivas. Um desses médicos, ao saber que eu estava na indústria farmacêutica, reagiu imediatamente com um certo desprezo: "ah, você trabalha para a indústria farmacêutica", seguido por um daqueles olhares que facilmente encontramos em nossas bibliotecas de emojis. Perguntei-lhe por que ele estava, digamos, chateado com isso, e ele respondeu dizendo que "nós" (farma) não éramos confiáveis. Outro golpe em apenas dois dias. Sua experiência anterior com a indústria fez com que ele reagisse daquela maneira, um tipo de problema de comunicação entre eles. Eu lhe disse que não era simplesmente um médico, e não era simplesmente um profissional de P&D farmacêutico. Eu também era pai. Este é o tipo de combinação raro de encontrar.
Demorei um ano mais para ganhar o respeito dele. Nós nos encontramos várias vezes após o primeiro congresso, mas no final, foi a sua mão que apontou na direção certa para o primeiro estudo clínico para a acondroplasia, quando a oportunidade surgiu.
A maçã não tão fácil de colher
Existem mais de sete mil desordens raras descritas, e menos de 10% têm alguma terapia aprovada. Apesar dos diversos incentivos promovidos pelas agências reguladoras com o objetivo de ampliar as pesquisas voltadas às terapias para doenças genéticas e raras, ainda há pouco esforço para encontrar soluções para elas.
No entanto, o interesse pela acondroplasia tem crescido nos últimos cinco anos, com várias novas abordagens sendo exploradas, e algumas sendo levadas seriamente ao desenvolvimento clínico. Acredito que isso tenha ocorrido como consequência dos resultados preliminares positivos apresentados pelas pesquisas com o peptídeo natriurético do tipo C (CNP) e seu primeiro análogo em desenvolvimento, vosoritide. Veja, alguém precisa mapear o novo território e mostrar que há potencial lá. Para a acondroplasia, aplausos para os pioneiros japoneses desenvolvedores do conceito CNP e para a empresa de biotecnologia que o trouxe para a clínica na forma do vosoritide. Outros estão seguindo, e agora temos um segundo análogo de CNP (esta estrada já está pavimentada) e algumas outras estratégias já em desenvolvimento clínico (veja abaixo). Mais poderia ser feito, mas, para uma desordem rara, estas são ótimas notícias.
Um ano cheio pela frente
O ano novo mal começou, mas já temos novidades no horizonte. A Biomarin anunciou que o estudo da fase 2 em bebês e crianças pequenas está em andamento e que não houve eventos adversos na coorte mais velha até o momento (Figura 2).
Figura 2. Biomarin, slide 15 da apresentação em 7 de janeiro de 2019.
A apresentação completa pode ser acessada aqui. |
Enquanto isso, a Ascendis anunciou que o início do estudo da fase 2 com o TransCon CNP está planejado para o terceiro trimestre (Figura 3) e a QED, desenvolvedora do infigratinib, está mostrando em sua página online "Pipeline" que está planejando o início de seu estudo de história natural durante 2019 e que os próximos passos incluiriam um ensaio de fase 1/2 (Figura 4).
Figura 3. Ascendis Pharma, slide #56 da apresentação em 7 de janeiro (2019).
Este slide resume os resultados do estudo da fase 1 com o TransCon CNP e lista a próxima etapa de desenvolvimento. A apresentação completa pode ser acessada aqui. |
Figura 4. Pipeline de QED Therapeutics.
Adaptado do site da QED Therapeutics (acesso gratuito ao público). Imagem original pode ser encontrada aqui. |
A informação interessante aqui é que a forma como esta expressão "estudo de fase 1/2 a seguir" (phase 1/2 trial to follow) foi usada poderia implicar que o plano seria realizar um estudo integrado de fase 1/2, em um potencial projeto adaptativo, onde após estabelecer PK e PD em um primeiro grupo de voluntários (possivelmente crianças afetadas?), coortes subsequentes de participantes poderiam começar a receber doses em um estudo típico de fase 2. Isso só seria possível porque já existe todo o trabalho pré-clínico e vários ensaios clínicos realizados em câncer com o infigratinib. Esse formato adaptativo do projeto pode ajudar a acelerar o desenvolvimento do infigratinib para aprovação, se confirmado ser seguro e eficiente na acondroplasia.
A mudança
Há apenas dez anos não havia nenhum sinal de qualquer tratamento potencial para a acondroplasia e, por muito tempo, pessoas com acondroplasia e, por extensão, com muitas outras formas de displasias esqueléticas, não tinham esperaça de que seus distúrbios ósseos seriam um dia considerados para terapia. Gerações cresceram sob essa perspectiva e lidaram com muitos desafios sociais e médicos diários para dizer o mínimo, então nada mais natural do que construir um forte senso de identidade. Esse senso de identidade ajudou a criar uma comunidade sólida e valente que tem sido fundamental para muitas conquistas no espaço social, político e da saúde.
A ciência evolui e impulsiona o progresso humano, embora não seja linear ou necessariamente constante. Há saltos e quedas no caminho. No entanto, muitas doenças crônicas e debilitantes agora têm tratamentos que as controlam ou retardam seu ritmo ou até mesmo as revertem. Atualmente, mais e mais formas de câncer podem ser curadas com as terapias certas, e drogas novas e mais específicas estão sendo desenvolvidas para combater essa doença devastadora. Embora um pouco atrasado, o conhecimento sobre genética está crescendo exponencialmente, e terapias genéticas já estão sendo exploradas para tratar doenças de todos os tipos, de câncer e diabetes a doenças infecciosas e condições genéticas. Num futuro próximo, poderemos conquistar ainda mais doenças que eram imbatíveis no passado. Isto é verdade para o câncer, isso será verdade para as displasias esqueléticas.
Então, a mudança está chegando e hora de enxergar além do status quo. Vamos abraçar o futuro que vemos a nossa frente, e vamos ajudar as novas gerações a se beneficiar de todo o conhecimento e progresso que estão no horizonte. Vamos trabalhar para dar aos nossos filhos um futuro melhor, com mais saúde, mais qualidade de vida e mais possibilidades. Vamos dar-lhes esperança. É para isto que este blog existe. Este tem sido meu compromisso desde o começo. Ainda é o meu para 2019 e além.