Friday, January 1, 2021

Tratando a acondroplasia: uma revisão de 2020

Um ano difícil

Que ano difícil e desafiador para todos nós foi 2020. A pandemia do novo coronavírus tem causado tantos transtornos em nosso mundo que ninguém é capaz de dizer quando nossas vidas voltarão ao normal novamente. 

Em um artigo anterior, mencionei que não queria ficar sempre repetindo as mesmas informações aqui e essa era a explicação para não postar com mais frequência no blog. Também mencionei que mantenho um grupo no Facebook chamado Achondroplasia, onde os seguidores podem ficar por dentro das informações mais recentes sobre terapias para a acondroplasia à medida que são divulgadas ao público. Nesse sentido, o blog Tratando a Acondroplasia continua ativo, disponibilizando informações mais detalhadas sobre tratamentos para a acondroplasia a todos os interessados.

 De todo modo, houve tantas notícias novas no campo da acondroplasia em 2020 que achei que seria bom analisá-las em uma breve revisão aqui. Vamos começar verificando cada um dos principais tratamentos potenciais e apresentando os novos anunciados durante o ano. Na Tabela 1, você pode ver o status de desenvolvimento atual disponível publicamente. Todos eles, exceto o inibidor de tirosina quinase (TKI) ASP-5878, já foram revisados ​​no blog. Para obter informações mais detalhadas sobre esses medicamentos, visite a página de índice para encontrar esses artigos.

Tabela 1. Lista de potenciais terapias para acondroplasia. 

CNP: peptídeo natriurético tipo C. SC: subcutâneo. MA: autorização de comercialização. TKI: inibidor de tirosina quinase. NA: não disponível.

Vosoritide

A principal notícia sobre o vosoritide é que a Biomarin submeteu pedidos de autorização de comercialização às agências reguladoras europeia e americana (EMA e FDA) em agosto, com uma aprovação potencial estimada nos EUA em agosto de 2021. Em setembro, o desenvolvedor publicou os resultados completos do estudo de fase 3 (1), que demonstraram uma melhora significativa na velocidade de crescimento com vosoritide em comparação com o placebo depois de um ano de tratamento. Mais recentemente, eles anunciaram que a melhora na velocidade de crescimento demonstrou ser sustentada após dois anos de terapia com vosoritide, semelhante ao que foi visto no estudo de extensão de longo prazo com participantes do estudo de fase 2. Além disso, o estudo de fase 2 com bebês e crianças pequenas (<5 anos) está em andamento. 

Também recentemente, eles iniciaram um estudo com o vosoritide em outras causas de baixa estatura. 

 

TransCon-CNP 

A principal diferença entre o TransCon-CNP e o vosoritide é que o TransCon-CNP é administrado por meio de um sistema de liberação lenta, permitindo uma dose semanal com exposição sustentada ao seu análogo, em contraste com a dosagem diária do vosoritide. Em estudos pré-clínicos, eles mostraram que seu análogo do CNP era superior ao vosoritide (2). A Ascendis Pharma iniciou o estudo de fase 2 ACcomplisH com TransCon-CNP e, de acordo com o site ClinicalTrials.gov, ainda estão aceitando candidatos.

 

Recifercept

 A molécula TA-46 original foi inicialmente desenvolvida pela Therachon como uma injeção subcutânea semanal (3). Em setembro, durante a Conferência de Pesquisa de Acondroplasia organizada pelo Chandler Crews Project, descobrimos que o laboratório agora está trabalhando com uma programação de dosagem diária dessa nova medicação. No final de dezembro, a Pfizer publicou os testes pré-clínicos realizados com o recifercept, mostrando que essa molécula é, na verdade, o resultado de modificações feitas na molécula original TA-46 desenvolvida pela Therachon (4). O recifercept é uma forma livre modificada do receptor de fator de crescimento de fibroblastos 3 (FGFR3) que funciona como uma "armadilha de ligante", capturando ativadores de FGFRs antes que eles possam se ligar a esses receptores e ativá-los. Sem os ativadores (ligantes), o FGFR3 não seria tão ativo quanto o esperado e isso ajudaria a restaurar o crescimento ósseo. Duas semanas atrás, a Pfizer anunciou o início de seu estudo de fase 2.

 

Infigratinib

O infigratinib é um TKI oral desenvolvido inicialmente para tratar vários tipos de câncer em que os FGFRs, inclusive o FGFR3, desempenham um papel importante para a progressão da doença. Ele age bloqueando as cascatas de sinalização dos FGFRs dentro da célula. Dado que um FGFR3 anormal e superativo é a causa da acondroplasia, os pesquisadores procuraram descobrir se o infigratinib poderia ser usado para tratar esta displasia esquelética. Estudos pré-clínicos demonstraram que ele realmente resgata o crescimento ósseo em um modelo de acondroplasia de camundongo em doses muito mais baixas do que aquelas usadas nos primeiros estudos em câncer (5). Durante o congresso ENDO 2020 eles apresentaram um pôster  com testes pré-clínicos realizados com infigratinib mostrando melhora significativa do crescimento ósseo e nenhum efeito no metabolismo do fósforo com doses baixas, semelhantes às pretendidas para ensaios clínicos (6). Essa informação sobre o metabolismo do fósforo é importante do ponto de vista da segurança da medicação. Nesses estudos, eles também verificaram que o infigratinib foi superior ao vosoritide no resgate do crescimento ósseo. A QED iniciou recentemente seu estudo de fase 2 com infigratinib.

 

Meclizina

O reaproveitamento de medicamentos é uma estratégia em que os investigadores tentam encontrar novas indicações terapêuticas para medicamentos antigos. O conceito é que a pesquisa para a nova indicação seja muito menos cara e o custo final do medicamento, se aprovado, seja certamente mais acessível do que o de compostos recém-criados. A meclizina é um medicamento antigo que há décadas tem sido usado para tratar o enjôo de movimento. Em um esforço para encontrar tratamentos potenciais para a acondroplasia, o grupo japonês da Universidade de Nagoya liderado pelo Dr. Kitoh descobriu que a meclizina foi capaz de inibir a função do FGFR3 e resgatar parcialmente o crescimento ósseo em seu modelo animal (7). Posteriormente, eles realizaram um estudo de fase 1 em crianças com acondroplasia (8). O estudo mostrou que a meclizina pode ser adequada em uma única dose diária (mas isso precisa ser explorado em estudos subsequentes). Eles planejavam iniciar um estudo de fase 2 em 2020, mas não encontrei atualizações sobre o status desse programa.

 

RBM-007

A Ribomic vem desenvolvendo o RBM-007, um aptâmero anti-FGF2 desenvolvido para tratar condições em que o FGF2 tem um papel relevante no mecanismo da doença (9). Uma vez que o FGF2 é considerado um ativador (ligante) chave do FGFR3 e que na acondroplasia o FGFR3 é hiperativo, então se esse fosse menos ativado pelo FGF2 talvez o crescimento ósseo pudesse ser restaurado. Em seu site, a Ribomic menciona que em estudos pré-clínicos o RBM-007 de fato resgatou o crescimento ósseo (mas não consegui encontrar nenhum artigo publicado mostrando seus resultados em um modelo de acondroplasia). Eles já começaram um estudo clínico de fase 1 para avaliar este aptâmero para a acondroplasia.

 

ASP-5878

A Astellas Pharma publicou recentemente um estudo onde explorou o uso de ASP-5878, um TKI semelhante ao infigratinib, em modelos pré-clínicos para tratar a acondroplasia (10). Eles descobriram que a droga era capaz de melhorar o crescimento ósseo, porém era menos eficaz em comparação com um controle positivo, um análogo do CNP com a mesma estrutura do vosoritide.

 

ASB-20123

Asubio, uma empresa de biotecnologia japonesa que foi recentemente incorporada pela Daichii-Sankio (DK), estava desenvolvendo outro análogo do CNP com base na fusão do fragmento ativo do CNP e um fragmento da base estrutural do hormônio grelina para ajudar a melhorar a conhecida meia-vida curta do CNP. Eles publicaram alguns estudos mostrando que sua molécula foi capaz de melhorar o crescimento ósseo em modelos pré-clínicos (11), mas não consegui encontrar nenhuma nova notícia sobre esse composto no site da DK ou na literatura.

 

Referências

1. Savarirayan R et al. Once-daily, subcutaneous vosoritide therapy in children with achondroplasia: a randomised, double-blind, phase 3, placebo-controlled, multicentre trial. Lancet 2020; 396 (10257):1070.

2. Breinholt VM et al. TransCon CNP, a Sustained-Release C-Type Natriuretic Peptide Prodrug, a Potentially Safe and Efficacious New Therapeutic Modality for the Treatment of Comorbidities Associated with Fibroblast Growth Factor Receptor 3-Related Skeletal Dysplasias.  J Pharmacol Exp Ther 2019; 370(3): 459-71. Open access.

3. Garcia S et al. Postnatal soluble FGFR3 therapy rescues achondroplasia symptoms and restores bone growth in mice. Sci Transl Med 2013; 5 (203):203ra124. Open access after registration.

4. Gonçalves D et al. In vitro and in vivo characterization of Recifercept, a soluble fibroblast growth factor receptor 3, as treatment for achondroplasia. PLoS ONE 2020; 15(12): e0244368. Open access.

5. Komla-Ebri D et al. Tyrosine kinase inhibitor NVP-BGJ398 functionally improves FGFR3-related dwarfism in mouse model. J Clin Invest 2016; 126(5):1871-84. Open access.

6. Demuynck B et al. Support for a new therapeutic approach of using a low-dose FGFR tyrosine kinase inhibitor (infigratinib) for achondroplasia. Approved by but not presented at ENDO 2020 due to COVID-19 pandemics. Acessed on 01-Jan-2021. Open access.

7. Matsushita M et al. Meclozine promotes longitudinal skeletal growth in transgenic mice with achondroplasia carrying a gain-of-function mutation in the FGFR3 gene.  Endocrinology 2015; 156(2):548-54. Open access.

8. Kitoh H et al. Pharmacokinetics and safety after once and twice a day doses of meclizine hydrochloride administered to children with achondroplasia. PLoS ONE 2020;15(4):e0229639. Open access.

9. Ling Jin et al. Dual Therapeutic Action of a Neutralizing Anti-FGF2 Aptamer in Bone Disease and Bone Cancer Pain.  Mol Ther 2016; 24 (11): 1974-1986. Open access.

10. Ozaki T et al. Evaluation of FGFR inhibitor ASP5878 as a drug candidate for achondroplasia. Sci Rep 2020; 10: 20915. Open access.

11. Morozumi N et al. ASB20123: A novel C-type natriuretic peptide derivative for treatment of growth failure and dwarfism. PLoSONE 2019;14(2):e0212680. Open access.

 






 

 

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